“(...) Se você me encontrar na rua, não faça de conta que não me viu. Pare para conversar comigo. Sinto-me só. Se você, na sua sensibilidade, me ver triste e só, simplesmente partilhe comigo um sorriso e seja solidário. (...)” (Trecho extraído do Poema do Idoso – autor desconhecido)
Por Clodoaldo Gonçalves Leme e Rodrigo Wolff Apolloni - Diretamente para o Portal
Introdução
Seu Miguel sempre acorda bem cedo para cuidar da pequena plantação de verduras, frutas e legumes, do jardim que enfeita o seu lar e dos três cachorros que acolheu da rua. Aposentado, ele executa essas funções com muito prazer e, depois de tarefas realizadas, vai para a cozinha conversar com sua esposa e a ajuda em outros deveres da casa, como a limpeza e preparo das refeições. O convívio entre o casal é harmonioso; lógico, há crises, mas com bom humor procuram superar as adversidades que todos passam em seu dia-a-dia. O fato dos filhos serem casados e morar numa outra localidade, juntamente com a distância da residência de outros parentes, faz com que o casal encontre uma fonte de lazer no clube da terceira idade, onde as reuniões ocorrem, sem falhas, todas as tardes a partir das 16h. Este é um resumo da história de vida de Miguel e Joana e que nos permite montar um interessante cenário sobre a vida dos idosos.
Melhor idade?
Um artigo disponível no site do IBGE informa que o número de idosos no planeta jamais foi tão grande em toda a História. A maioria deles concentrada no continente europeu. Em 1995, já eram 578 milhões. Vale destacar que o contingente de idosos daqui a 30 anos vai representar 40% da população na Alemanha, do Japão e da Itália, esta, inclusive, o único país no mundo a ter mais pessoas acima de 65 anos do que com menos de 15. A estimativa é de que, até a primeira metade do século XXI, os demais países industrializados cheguem a esse patamar. Acrescentamos que, em 2050, a expectativa de vida nos países desenvolvidos será de 87,5 anos para os homens e 92,5 para as mulheres (contra 70,6 e 78,4 anos em 1998). No Brasil, país que na faixa etária de 60 anos ou mais conta com algo em torno de 20 milhões de pessoas, a expectativa de vida ao nascer cresceu mais de três anos na última década e passou de 69,3 anos, em 1997, para 72,7 anos, em 2007. As mulheres ainda vivem mais tempo: em média 76,5 anos, contra os 69 anos vividos pelos homens (os dados constam na Síntese de Indicadores Sociais de 2008).
Como podemos perceber diante dessas informações, o número de idosos tende a aumentar em escala mundial. Mas, por que esse aumento acontece? Ele se deve, principalmente, à redução na taxa de fecundidade. A mulher, sob a influência das mudanças sociais que ocorreram a partir da década de 60, vivenciou alterações significativas no emprego, educação e no casamento. Nos dias atuais, essa mulher tem a metade dos filhos que a geração de sua mãe costumava ter. Mas não só. A medicina preventiva e também programas voltados para a qualidade de vida contribuem para o fato constatado. Sem falar nas baixas taxas de mortalidade infantil ou prematura, aumentando a esperança de vida, devido a uma nutrição adequada, saneamento e tratamento de água ou pelo uso de vacinas e antibióticos.
Observamos que a população brasileira acompanhou as mudanças sociais e já se depara com um tipo de demanda por serviços médicos e sociais outrora restrita aos países industrializados. Porém, o Estado, ainda às voltas com os desafios do controle da mortalidade infantil e doenças transmissíveis, não foi capaz de aplicar estratégias para a efetiva prevenção e tratamento das doenças crônico-degenerativas e suas complicações. Em um contexto de importantes desigualdades regionais e sociais, idosos não encontram amparo adequado no sistema público de saúde e previdência, acumulam seqüelas daquelas doenças, desenvolvem incapacidades e perdem autonomia e qualidade de vida. A propósito desta questão, a história de vida do casal Miguel e Joana é uma das poucas exceções à regra, pois tiveram a oportunidade de ter, durante toda a trajetória de suas vidas - individual e de casal -, emprego digno, moradia, ambiente estruturado, entre outros fatores que possibilitam uma permanência na terra com menos sofrimentos.
Acerca disso, ressaltamos que na vida moderna, em que, ainda mais, o ambiente se torna competitivo e excludente, as tarefas diárias fazem com que nos esqueçamos de programar para um envelhecimento saudável - será que isso é possível? Na maioria das vezes, quando tomamos consciência do tempo, ele já passou. Pior que isso: na maioria das vezes, não temos tempo para tomar consciência do tempo, porque, para sobreviver, precisamos “matar um leão por dia”. Aliás, nota-se, nas histórias de muitos idosos que compõem nossa sociedade atual, o fato de que algumas famílias não têm tempo de visitá-los... não têm paciência para entender suas peculiaridades e, infelizmente, algumas até os acabam abandonando, seja na rua ou num asilo. É triste, mas a antiga máxima, “um pai sustenta dez filhos, mas dez filhos não sustentam um pai”, está em evidência.
Enfim, o Estado, as pessoas, principalmente as “contaminadas” pela barbárie social em que vivemos, ainda não aprenderam a respeitar o idoso. Os desrespeitos são presenciados em diversos contextos do cotidiano, sendo a saúde pública um dos campos em que mais essa população é desacatada. O transporte público também é um exemplo emblemático das violações. Quem nunca ouviu um sonoro “lá vem o velho... vou fazer de conta que estou dormindo”. Não estamos dizendo que todos os idosos são dependentes, muito menos ingênuos; o que é necessário, urgentemente, é que eles tenham, ao menos, seus direitos respeitados. Ou então, como diz um amigo nosso, aos seus 75 anos: “melhor idade? Só for a melhor idade para brochar, ficar doente, precisar de ajuda, perder o equilíbrio e ser humilhado. Melhor idade é a de vocês, que ainda são jovens e sofrem menos”. O pensamento de nosso amigo é racional, porém, fica sob a responsabilidade dos jovens e adultos, os idosos de amanhã, a organização de movimentos sociais que tenham por objetivo uma luta que possibilite aos mais velhos uma vida digna. Aos políticos, nosso recado: o investimento na saúde e educação da atual população de jovens e a compressão da morbidade se apresentam como alternativas capazes de minimizar, em um país com recursos financeiros escassos, o impacto do envelhecimento populacional sobre a qualidade de vida. É o que precisamos! É o que desejamos!
Professor de Educação Física, Especialista em Treinamento Esportivo e Fitness, Mestre em Ciências da Religião (PUC/SP) e doutorando em Psicologia Social (PUC/SP). E-mail: clodoleme@ig.com.br
Jornalista, Graduado em Direito, Mestre em Ciências da Religião (PUC/SP) e doutorando em Sociologia (UFPR).
(Disponível em: http://www.portaldoenvelhecimento.net/artigos/z354.htm Acesso em 12 de setembro de 2009)