Por Clodoaldo Gonçalves Leme e Rodrigo Wolff Apolloni
Editorial
Um assunto que vem sendo destaque nos jornais - esportivos ou não - nos últimos meses, é o fato de a Fédération Internationale de Football Association (FIFA) ter repreendido a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) pelo excesso nas manifestações de religiosidade dos atletas em suas comemorações. A FIFA mandou um alerta à CBF pedindo moderação na atitude dos jogadores mais religiosos, mas indicou que por enquanto não puniria os atletas. A propósito desta questão, observamos que a influência das manifestações religiosas é marcante no futebol brasileiro. Santinhos, capelas dentro dos clubes, oração de Ave Maria e Pai Nosso nos vestiários, camisas louvando Jesus e devoções afrobrasileiras invadem os campos de futebol. Na opinião de muitos jogadores, técnicos e integrantes de comissão técnica, a fé potencializa o desempenho esportivo. Diante disso, destacamos que a religião tem lugar significativo na vida destes indivíduos porque o futebol é uma profissão de ascensão instável. Muitos sonham com o profissionalismo, mas é um caminho difícil, a que poucos têm acesso, precisando passar por diversas provações para alcançar o reconhecimento. Neste sentido, para suportar as dificuldades existentes, surge a necessidade de apelo ao sobrenatural.
MANIFESTAÇÕES RELIGIOSAS NOS CAMPOS DE FUTEBOL: PROIBI-LAS, OU NÃO?
Leme (2005), por meio da observação de instituições e indivíduos que constituem o ambiente do futebol, identificou o uso de um “marketing religioso futebolístico”. Pelo fato de o futebol ser um espetáculo, ele também pode servir como veículo de propaganda de uma determinada religião – o autor entende propaganda, neste caso, principalmente como uma difusão ideológica. Por meio de seus “produtos religiosos”, ela difunde um corpo doutrinário – ideológico, portanto. O futebol é uma atividade de alto risco e de grande visibilidade; a religião a ele associada reduz a percepção desse risco ao mesmo tempo em que gera uma representação de paz interior e segurança do indivíduo face ao meio em que ele está inserido
Do ponto de vista de Leme, a mescla futebol x religião produz uma verdadeira “potência de espetáculo”. Os indivíduos que participam, que estão “conectados” ao mundo do futebol, não se encontram imunes à “radiação” que este esporte/espetáculo emite em todos os sentidos, seja através da mídia, pelas lideranças religiosas, pelos integrantes de comissão técnica, atletas, enfim, por todos os adeptos.
Retomando a polêmica repreensão da FIFA às manifestações dos atletas religiosos mais exaltados, salientamos que algumas das entidades filiadas à instituição maior do futebol, pediram um posicionamento mais firme desta para aqueles que continuassem a se exacerbar em seus atos religiosos. A bem da verdade, com centenas de jogadores africanos, vários países europeus temem que a falta de uma punição por parte da FIFA abra caminho para extremismos religiosos e que o comportamento dos brasileiros seja repetido por muçulmanos que estão em vários clubes da Europa. Tanto a FIFA quanto os europeus concordam que não querem que o futebol se transforme em um palco para disputas religiosas, um tema sensível em várias partes do mundo.
Acerca disso, vale destacar que as regras da FIFA de fato impedem mensagens políticas ou religiosas em campo. A entidade prevê punições em casos de descumprimento. Por enquanto, a FIFA não tomou nenhuma decisão - e essa não é a primeira vez que o tema causa polêmica. Ao fim da Copa do Mundo de 2002, a comemoração do pentacampeonato brasileiro foi repleta de mensagens religiosas. Quanto a isso, a FIFA mostrou seu desagrado na época. Mas disse que não teria como impedir a equipe que acabara de se sagrar campeã do mundo de comemorar à sua maneira. A entidade diz que está "monitorando" a situação. E confirma que “alertou a CBF sobre os procedimentos relevantes sobre o assunto". A FIFA alega que, no caso da final da Copa das Confederações (em 2009, disputada na África do Sul, com a seleção brasileira sagrando-se campeã), o ato dos brasileiros de se reunir para rezar ocorreu só após o apito final. E as leis apenas falam da situação em jogo.
Em nossa opinião, não haveria problema algum das manifestações religiosas acontecerem se todas as pessoas ao redor do mundo as recebessem da mesma maneira, mas como o futebol é um dos maiores espetáculos da Terra e a quantidade de apaixonados que assistem aos eventos é muito grande, varia o posicionamento político, religioso e de afetividade dos grupos e dos indivíduos. Concordamos, então, com a repreensão executada pela FIFA. Este posicionamento, de pedir moderação na atitude dos jogadores religiosos mais exaltados, pode fazer com que alguns conflitos sejam evitados.
Nota-se que a discussão está direcionada ao direito de o esportista expressar sua religiosidade. Assim, há pessoas que percebem a proibição como um absurdo porque fere a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que garante o direito ao cidadão de manifestar sua fé. Neste sentido, imaginemos, como salienta nosso amigo Bruno Pompeu, o que aconteceria com o jogador que levantasse a camiseta e nela tivesse escrito “I Love Satan”! É bem provável que esse indivíduo não jogaria mais futebol nem nas peladas da periferia. Pensamos que tal fato provaria que essas manifestações não são – apenas – demonstrações de uma liberdade de expressão. Tem a ver com a moral cristã enraizada em nossa cultura. Inclusive, a camiseta poderia estar escrita “I Love Alah”, o que, para muitos, significaria a mesma coisa que “I love Satan” - poucos respeitariam.
Por fim, seria mais agradável se as manifestações se restringissem ao privado – o vestiário, se todos concordarem, é uma boa opção. Quem quiser participar de algum grande evento religioso, seja atleta ou torcedor, que frequente o seu Templo, Igreja, Centro, Terreiro, Sinagoga, Mesquita ou Casa de Oração. Isso seria mais democrático: justo e bom para maioria da população que acompanha o “esporte das multidões”. Não apenas por conta dos fundamentalismos que podem levar a violência verbal e física, mas porque quem vai assistir a uma partida de futebol, quer ver a bola entrar e seu time ganhar, comemorar e gritar, e não ver ninguém rezar/orar. No futebol, o que prevalece é a bola na rede. Neste ambiente, se apropriando da lógica cristã, se o atleta – principalmente aquele que não tem muito “mercado” – faz a sua oração, mas perde um gol, ou pior, falha em uma final de campeonato e sua equipe é derrotada, estará condenado pelos dirigentes, torcedores e por grande parte da imprensa esportiva, a queimar no fogo do inferno. Há muitos exemplos pelo Brasil e pelo mundo.
O SAGRADO E O ENLATADO
Por fim, last but not least, nosso jornalista responsável, Rodrigo Wolff Apolloni - que, diga-se de passagem, não é lá um grande entendedor do futebol - observa que as pessoas também têm o direito de se resguardar da propaganda religiosa. Ao pagar um ingresso, contratar um pay-per-view ou simplesmente ligar a tevê, elas já são bombardeadas com milhares de informações publicitárias no mais das vezes indesejadas, das Casas Bahia à cerveja, passando por carros e celulares; já são, enfim, violentadas pela imagem e pela mensagem. Será que elas precisam, de fato, receber mais uma carga, agora de “Jesus on Parade”, em seu cérebro? No final das contas, é possível que os próprios celebrantes da religião nos gramados estejam prestando um desserviço à própria causa, na simples razão em que vulgarizam a religião e a aproximam do que existe de mais material. Ou será que o meu desejo por Jesus é igual ao desejo que eu nutro por um carro zero ou por um iogurte criado para auxiliar a defecação?
(Disponível em: http://blig.ig.com.br/ogerminal Acesso em 12 de setembro de 2009)