Por Clodoaldo Gonçalves Leme e Rodrigo Wolff Apolloni
Editorial
Um assunto que vem sendo destaque nos jornais - esportivos ou não - nos últimos meses, é o fato de a Fédération Internationale de Football Association (FIFA) ter repreendido a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) pelo excesso nas manifestações de religiosidade dos atletas em suas comemorações. A FIFA mandou um alerta à CBF pedindo moderação na atitude dos jogadores mais religiosos, mas indicou que por enquanto não puniria os atletas. A propósito desta questão, observamos que a influência das manifestações religiosas é marcante no futebol brasileiro. Santinhos, capelas dentro dos clubes, oração de Ave Maria e Pai Nosso nos vestiários, camisas louvando Jesus e devoções afrobrasileiras invadem os campos de futebol. Na opinião de muitos jogadores, técnicos e integrantes de comissão técnica, a fé potencializa o desempenho esportivo. Diante disso, destacamos que a religião tem lugar significativo na vida destes indivíduos porque o futebol é uma profissão de ascensão instável. Muitos sonham com o profissionalismo, mas é um caminho difícil, a que poucos têm acesso, precisando passar por diversas provações para alcançar o reconhecimento. Neste sentido, para suportar as dificuldades existentes, surge a necessidade de apelo ao sobrenatural.
MANIFESTAÇÕES RELIGIOSAS NOS CAMPOS DE FUTEBOL: PROIBI-LAS, OU NÃO?
Leme (2005), por meio da observação de instituições e indivíduos que constituem o ambiente do futebol, identificou o uso de um “marketing religioso futebolístico”. Pelo fato de o futebol ser um espetáculo, ele também pode servir como veículo de propaganda de uma determinada religião – o autor entende propaganda, neste caso, principalmente como uma difusão ideológica. Por meio de seus “produtos religiosos”, ela difunde um corpo doutrinário – ideológico, portanto. O futebol é uma atividade de alto risco e de grande visibilidade; a religião a ele associada reduz a percepção desse risco ao mesmo tempo em que gera uma representação de paz interior e segurança do indivíduo face ao meio em que ele está inserido
Do ponto de vista de Leme, a mescla futebol x religião produz uma verdadeira “potência de espetáculo”. Os indivíduos que participam, que estão “conectados” ao mundo do futebol, não se encontram imunes à “radiação” que este esporte/espetáculo emite em todos os sentidos, seja através da mídia, pelas lideranças religiosas, pelos integrantes de comissão técnica, atletas, enfim, por todos os adeptos.
Retomando a polêmica repreensão da FIFA às manifestações dos atletas religiosos mais exaltados, salientamos que algumas das entidades filiadas à instituição maior do futebol, pediram um posicionamento mais firme desta para aqueles que continuassem a se exacerbar em seus atos religiosos. A bem da verdade, com centenas de jogadores africanos, vários países europeus temem que a falta de uma punição por parte da FIFA abra caminho para extremismos religiosos e que o comportamento dos brasileiros seja repetido por muçulmanos que estão em vários clubes da Europa. Tanto a FIFA quanto os europeus concordam que não querem que o futebol se transforme em um palco para disputas religiosas, um tema sensível em várias partes do mundo.
Acerca disso, vale destacar que as regras da FIFA de fato impedem mensagens políticas ou religiosas em campo. A entidade prevê punições em casos de descumprimento. Por enquanto, a FIFA não tomou nenhuma decisão - e essa não é a primeira vez que o tema causa polêmica. Ao fim da Copa do Mundo de 2002, a comemoração do pentacampeonato brasileiro foi repleta de mensagens religiosas. Quanto a isso, a FIFA mostrou seu desagrado na época. Mas disse que não teria como impedir a equipe que acabara de se sagrar campeã do mundo de comemorar à sua maneira. A entidade diz que está "monitorando" a situação. E confirma que “alertou a CBF sobre os procedimentos relevantes sobre o assunto". A FIFA alega que, no caso da final da Copa das Confederações (em 2009, disputada na África do Sul, com a seleção brasileira sagrando-se campeã), o ato dos brasileiros de se reunir para rezar ocorreu só após o apito final. E as leis apenas falam da situação em jogo.
Em nossa opinião, não haveria problema algum das manifestações religiosas acontecerem se todas as pessoas ao redor do mundo as recebessem da mesma maneira, mas como o futebol é um dos maiores espetáculos da Terra e a quantidade de apaixonados que assistem aos eventos é muito grande, varia o posicionamento político, religioso e de afetividade dos grupos e dos indivíduos. Concordamos, então, com a repreensão executada pela FIFA. Este posicionamento, de pedir moderação na atitude dos jogadores religiosos mais exaltados, pode fazer com que alguns conflitos sejam evitados.
Nota-se que a discussão está direcionada ao direito de o esportista expressar sua religiosidade. Assim, há pessoas que percebem a proibição como um absurdo porque fere a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que garante o direito ao cidadão de manifestar sua fé. Neste sentido, imaginemos, como salienta nosso amigo Bruno Pompeu, o que aconteceria com o jogador que levantasse a camiseta e nela tivesse escrito “I Love Satan”! É bem provável que esse indivíduo não jogaria mais futebol nem nas peladas da periferia. Pensamos que tal fato provaria que essas manifestações não são – apenas – demonstrações de uma liberdade de expressão. Tem a ver com a moral cristã enraizada em nossa cultura. Inclusive, a camiseta poderia estar escrita “I Love Alah”, o que, para muitos, significaria a mesma coisa que “I love Satan” - poucos respeitariam.
Por fim, seria mais agradável se as manifestações se restringissem ao privado – o vestiário, se todos concordarem, é uma boa opção. Quem quiser participar de algum grande evento religioso, seja atleta ou torcedor, que frequente o seu Templo, Igreja, Centro, Terreiro, Sinagoga, Mesquita ou Casa de Oração. Isso seria mais democrático: justo e bom para maioria da população que acompanha o “esporte das multidões”. Não apenas por conta dos fundamentalismos que podem levar a violência verbal e física, mas porque quem vai assistir a uma partida de futebol, quer ver a bola entrar e seu time ganhar, comemorar e gritar, e não ver ninguém rezar/orar. No futebol, o que prevalece é a bola na rede. Neste ambiente, se apropriando da lógica cristã, se o atleta – principalmente aquele que não tem muito “mercado” – faz a sua oração, mas perde um gol, ou pior, falha em uma final de campeonato e sua equipe é derrotada, estará condenado pelos dirigentes, torcedores e por grande parte da imprensa esportiva, a queimar no fogo do inferno. Há muitos exemplos pelo Brasil e pelo mundo.
O SAGRADO E O ENLATADO
Por fim, last but not least, nosso jornalista responsável, Rodrigo Wolff Apolloni - que, diga-se de passagem, não é lá um grande entendedor do futebol - observa que as pessoas também têm o direito de se resguardar da propaganda religiosa. Ao pagar um ingresso, contratar um pay-per-view ou simplesmente ligar a tevê, elas já são bombardeadas com milhares de informações publicitárias no mais das vezes indesejadas, das Casas Bahia à cerveja, passando por carros e celulares; já são, enfim, violentadas pela imagem e pela mensagem. Será que elas precisam, de fato, receber mais uma carga, agora de “Jesus on Parade”, em seu cérebro? No final das contas, é possível que os próprios celebrantes da religião nos gramados estejam prestando um desserviço à própria causa, na simples razão em que vulgarizam a religião e a aproximam do que existe de mais material. Ou será que o meu desejo por Jesus é igual ao desejo que eu nutro por um carro zero ou por um iogurte criado para auxiliar a defecação?
(Disponível em: http://blig.ig.com.br/ogerminal Acesso em 12 de setembro de 2009)
sábado, 12 de setembro de 2009
É Gol! Deus é 10 - A Religiosidade no Futebol Profissional Paulista e a Sociedade de Risco
RESUMO
Este trabalho procurou investigar as manifestações de religiosidade no futebol profissional paulista. Dentro do universo de pesquisa, escolhemos cinco equipes que disputam a primeira divisão do campeonato estadual (Sport Club Corinthians Paulista, Santos Futebol Clube, Sociedade Esportiva Palmeiras, São Paulo Futebol Clube e Associação Desportiva São Caetano). Os principais motivos da escolha dessas equipes foram: o grande espaço a elas atribuídas pelos meios de comunicação; por serem de “massa” ou “emergentes”; e também por serem o “objeto do desejo” de muitos atletas iniciantes e mesmo de profissionais consagrados do futebol.
De modo a entender a grande presença da religião e da religiosidade percebidas nos gramados brasileiros em tempos recentes – através de manifestações e relatos de atletas e integrantes de comissões técnicas –, buscamos trabalhar em duas linhas, uma de caráter teórico-bibliográfico e, a outra, de caráter empírico. O caminho percorrido se iniciou pela colocação, em um contexto de pesquisa, dos aspectos representativos do futebol e suas conexões com a religião/religiosidade ao redor do mundo. O trabalho parte de uma História do futebol (das práticas “proto-futebolísticas” ao esporte moderno) e, a partir dela, à conexão com a realidade brasileira e paulista. Mostramos, em seguida, as conexões dentro das equipes do nosso objeto de estudo e, também, como foi constituído nosso trabalho de campo.
Para compreender o porquê das manifestações de religiosidade no futebol, empregamos a teoria da Sociedade de Risco, de Ulrich Beck e, elementos da Sociedade do Espetáculo, de Guy Debord, que são essenciais em nosso construto.
A aproximação das teorias risco/espetáculo em relação à realidade brasileira e, principalmente, ao “esporte das multidões”, em conjunto com a pesquisa de campo (realizada com vinte personagens do futebol), nos permitiram concluir que o risco é um dos grandes motivadores das manifestações de religiosidade no futebol. Ou seja, o espiral risco/espetáculo, fruto do sistema sócio-econômico capitalista, competitivo e excludente, é determinante para a compreensão de nosso trabalho.
LEME, C. G. É Gol! Deus é 10 - A Religiosidade no Futebol Profissional Paulista e a Sociedade de Risco. PUC-SP, 2005. (dissertação de mestrado)
* Para receber o trabalho completo, deixe um comentário com o seu nome e endereço eletrônico.
Este trabalho procurou investigar as manifestações de religiosidade no futebol profissional paulista. Dentro do universo de pesquisa, escolhemos cinco equipes que disputam a primeira divisão do campeonato estadual (Sport Club Corinthians Paulista, Santos Futebol Clube, Sociedade Esportiva Palmeiras, São Paulo Futebol Clube e Associação Desportiva São Caetano). Os principais motivos da escolha dessas equipes foram: o grande espaço a elas atribuídas pelos meios de comunicação; por serem de “massa” ou “emergentes”; e também por serem o “objeto do desejo” de muitos atletas iniciantes e mesmo de profissionais consagrados do futebol.
De modo a entender a grande presença da religião e da religiosidade percebidas nos gramados brasileiros em tempos recentes – através de manifestações e relatos de atletas e integrantes de comissões técnicas –, buscamos trabalhar em duas linhas, uma de caráter teórico-bibliográfico e, a outra, de caráter empírico. O caminho percorrido se iniciou pela colocação, em um contexto de pesquisa, dos aspectos representativos do futebol e suas conexões com a religião/religiosidade ao redor do mundo. O trabalho parte de uma História do futebol (das práticas “proto-futebolísticas” ao esporte moderno) e, a partir dela, à conexão com a realidade brasileira e paulista. Mostramos, em seguida, as conexões dentro das equipes do nosso objeto de estudo e, também, como foi constituído nosso trabalho de campo.
Para compreender o porquê das manifestações de religiosidade no futebol, empregamos a teoria da Sociedade de Risco, de Ulrich Beck e, elementos da Sociedade do Espetáculo, de Guy Debord, que são essenciais em nosso construto.
A aproximação das teorias risco/espetáculo em relação à realidade brasileira e, principalmente, ao “esporte das multidões”, em conjunto com a pesquisa de campo (realizada com vinte personagens do futebol), nos permitiram concluir que o risco é um dos grandes motivadores das manifestações de religiosidade no futebol. Ou seja, o espiral risco/espetáculo, fruto do sistema sócio-econômico capitalista, competitivo e excludente, é determinante para a compreensão de nosso trabalho.
LEME, C. G. É Gol! Deus é 10 - A Religiosidade no Futebol Profissional Paulista e a Sociedade de Risco. PUC-SP, 2005. (dissertação de mestrado)
* Para receber o trabalho completo, deixe um comentário com o seu nome e endereço eletrônico.
Brasil na Copa do Mundo de 2006 : Um paralelo com o Ambiente de Negócios e o Mundo Corporativo das Empresas
Brasil na Copa do Mundo de 2006 : Um paralelo com o Ambiente de Negócios e o Mundo Corporativo das Empresas
O texto a seguir, aborda o seguinte tema : As reflexões após o desempenho do Brasil na Copa do Mundo de 2006 e um paralelo dos acontecimentos com a realidade que vemos no ambiente de negócios e o mundo corporativo das empresas
Mesmo para quem não é fanático por futebol, é impossível não se deixar empolgar por esta verdadeira paixão nacional, que é a participação da seleção brasileira na Copa do Mundo. Carlos Alberto Parreira, técnico da seleção nacional na Copa do Mundo de 2006 e um consagrado palestrante de management, afirmou na edição da Expo Management 2005 em São Paulo, que “o futebol é o Brasil que deu certo”.
Com base no resultado obtido pela seleção brasileira na última edição da Copa do Mundo de 2006 na Alemanha, podemos afirmar que a afirmação é no mínimo, contundente.
A afirmação têm certo sentido, uma vez que o futebol não é um esporte caro e está disponível para a grande maioria da população, independente do poder aquisitivo. Face a difícil realidade que ronda boa parte da população brasileira, o futebol é visto como uma forma de ascensão social pelas camadas mais baixas da população. Clodoaldo Gonçalves Leme, mestre em Ciências da Religião pela PUC-SP e autor da dissertação intitulada “É Gol! Deus é 10 – A Religiosidade no Futebol Profissional Paulista e a Sociedade de Risco”, afirma que “Futebol é uma forma de ascensão social no Brasil. Se não der certo a vida no futebol, ele volta à sociedade de risco de onde veio.”
Claro que, os mais abastados podem bancar uma chuteira de marca famosa ( dotadas de tecnologias para melhorar o centro da gravidade, facilitar as arrancadas, entre outras que estiveram presente nos calçados dos jogadores na Copa do Mundo ), todavia o futebol é um esporte onde, o material usado na sua prática pode vir a potencializar um talento, mas nunca garantir o talento.
Por outro lado, se conforme Parreira, “o futebol é o Brasil que deu certo”, por que não deu certo ?. O futebol assim como nos negócios, é um esporte onde nem sempre o melhor consegue ser mais eficiente, todavia o mundo corporativo têm lições importantes a ensinar sobre “O Brasil que não deu certo” na Copa de 2006 :
1) Visão e Valores : Para qualquer empreendimento, é necessário uma visão da posição para qual se quer chegar e saber os valores que se consideram como importantes. John Kotter, professor de Liderança na Harvard Business School e titular da cadeira Konosuke Matsushita, afirma que quando as idéias representam a nossa visão e os nossos valores e temos um forte compromisso emocional com elas, isto representa a verdadeira coragem. Nesta linha de pensamento, os valores não estavam bem definidos. O que era realmente mais importante para este grupo ? Ganhar a copa do mundo e demonstrar o seu verdadeiro amor a pátria, o orgulho de ser brasileiro , de pertencer a uma nação ? Ou colocar um título no currículo e lucrar financeiramente em razão da conquista ?.
Será que o grupo estava se sentindo como uma “Alice” diante do “Gato de Chesire” na fábula “Alice no País das Maravilhas” quando Alice lhe perguntou o caminho para sair dali e lhe disse que não importava muito onde queria sair, no que o Gato lhe respondeu “Então não importa o caminho que você escolha” ?
2) Liderança : Independente dos talentos excepcionais que tinha a disposição, Parreira não soube liderar seus comandados, pois confiava demais nas virtudes individuais de seus comandados. No mundo corporativo, espera-se do líder, a capacidade de contagiar a equipe, de forma que cada um dentro da equipe, saiba o verdadeiro sentido da missão.
Faltou a verdadeira coragem para o líder cobrar raça e empenho dos jogadores nos treinos e nos jogos, corrigir detalhes de posicionamento, assumir o papel de líder ( e de todos os sacríficios que esta posição demanda ) nos momentos difíceis.
Provavelmente pela falta de pulso do treinador, dentro do campo embora houvesse a figura do “capitão do time”, não houve um jogador com voz de comando, tal como Dunga na Copa de 1994 que cobrasse e mantivesse os jogadores “acesos” durante toda a partida.
3) Missão : Se o sentido da missão não está claro para todos os membros do grupo, torna-se difícil cobrar dos colaboradores, o “amor a camisa”, afinal se não sabemos a missão, como vamos saber o papel de cada um dentro da equipe?. Os objetivos pessoais acabam sobrepondo-se aos objetivos comuns do grupo, porque afinal ninguem sabe o objetivo do grupo.
4) Preparação : Rudolph Giuliani , prefeito de Nova York á época dos atentados de 11 de Setembro de 2001, afirma em suas palestras que aprendeu quando era promotor público, a importância da preparação, quando um juiz lhe afirmou que obtinha sucesso na corte porque para cada hora no tribunal, passava outras quatro horas se preparando. Antes da Copa do Mundo, como preparação para o campeonato ( e opção de Parreira) enfrentou apenas a Nova Zelândia (118ª colocada no ranking da Fifa ) ao passo que a França enfrentou no mesmo periodo equipes fortes como o México ( 4º no ranking ) e Dinamarca ( 11ª colocada ).
“É uma opção planejada, enquanto os outros estão jogando, nós estamos treinando” dizia Parreira. No final, incluiu a falta de jogos no rol das razões da derrota.
Os treinos eram animados bate-bolas em metade do campo, com os jogadores fora das posições habituais. “Esses treinos reforçam os fundamentos do futebol, atacar e defender”. Em campo, viu se jogadores totalmente desentrosados.
5) Espírito de equipe : Durante as folgas, os jogadores se isolavam nos seus quartos. Falavam pelos celulares o dia inteiro com mulheres, namoradas e amigos, se reunindo apenas nos treinos, ônibus, batucadas e sessões de leituras da Bíblia. Em uma equipe, é importante que as setas estejam alinhadas em uma direção e os membros se conheçam para que saibam detectar as fraquezas de cada um, e de que forma complementar com a competência alheia. Em uma equipe, todo mundo tem um papel diferente e ninguém é completo e auto-suficiente, desta forma é importante a complementaridade.
6) Paixão pelo sucesso : Em qualquer empreendimento, é necessário uma busca incessante pelo sucesso e garra do começo ao fim. A meta têm que estar presente no subconsciente de cada um, para que não seja necessário um agente externo para trazer este objetivo, no estado de consciência do indivíduo. O que se viu nos jogos foi uma tremenda apatia, como se a responsabilidade pelo resultado fosse sempre alheia e nunca parte das atribuições do “eu” invididual em prol do grupo.
Marcelino Hiroshi Kawamura é aluno do curso de MBA em Gestão Estratégica de Negócios na Universidade de Sorocaba (UNISO). Atualmente é responsável pela área de Tecnologia de Informação da Kyocera Yashica do Brasil
Referências bibliográficas
• Revista HSM Management. São Paulo: HSM do Brasil, n.52, Set/Out-2005.
• JANINI, Clarissa. ExpoManagement : o que o mundo corporativo tem a dizer”. São Paulo, 21 de Novembro de 2005. Disponível em : <
http://carreiras.empregos.com.br/carreira/administracao/noticias/ 211105-expomanagement.shtm >
• Religião e futebol são válvulas de escape em sociedades de risco. 18 de Novembro de 2005. Disponível em < http://www.labjor.unicamp.br/midiaciencia/article.php3?id_article=87>
(Disponível em: http://www.artigos.com/artigos/sociais/administracao/recursos-humanos/brasil-na-copa-do-mundo-de-2006-:-um-paralelo-com-o-ambiente-de-negocios-e-o-mundo-corporativo-das-empresas-464/artigo/ Acesso em 12 de setembro de 2009)
O texto a seguir, aborda o seguinte tema : As reflexões após o desempenho do Brasil na Copa do Mundo de 2006 e um paralelo dos acontecimentos com a realidade que vemos no ambiente de negócios e o mundo corporativo das empresas
Mesmo para quem não é fanático por futebol, é impossível não se deixar empolgar por esta verdadeira paixão nacional, que é a participação da seleção brasileira na Copa do Mundo. Carlos Alberto Parreira, técnico da seleção nacional na Copa do Mundo de 2006 e um consagrado palestrante de management, afirmou na edição da Expo Management 2005 em São Paulo, que “o futebol é o Brasil que deu certo”.
Com base no resultado obtido pela seleção brasileira na última edição da Copa do Mundo de 2006 na Alemanha, podemos afirmar que a afirmação é no mínimo, contundente.
A afirmação têm certo sentido, uma vez que o futebol não é um esporte caro e está disponível para a grande maioria da população, independente do poder aquisitivo. Face a difícil realidade que ronda boa parte da população brasileira, o futebol é visto como uma forma de ascensão social pelas camadas mais baixas da população. Clodoaldo Gonçalves Leme, mestre em Ciências da Religião pela PUC-SP e autor da dissertação intitulada “É Gol! Deus é 10 – A Religiosidade no Futebol Profissional Paulista e a Sociedade de Risco”, afirma que “Futebol é uma forma de ascensão social no Brasil. Se não der certo a vida no futebol, ele volta à sociedade de risco de onde veio.”
Claro que, os mais abastados podem bancar uma chuteira de marca famosa ( dotadas de tecnologias para melhorar o centro da gravidade, facilitar as arrancadas, entre outras que estiveram presente nos calçados dos jogadores na Copa do Mundo ), todavia o futebol é um esporte onde, o material usado na sua prática pode vir a potencializar um talento, mas nunca garantir o talento.
Por outro lado, se conforme Parreira, “o futebol é o Brasil que deu certo”, por que não deu certo ?. O futebol assim como nos negócios, é um esporte onde nem sempre o melhor consegue ser mais eficiente, todavia o mundo corporativo têm lições importantes a ensinar sobre “O Brasil que não deu certo” na Copa de 2006 :
1) Visão e Valores : Para qualquer empreendimento, é necessário uma visão da posição para qual se quer chegar e saber os valores que se consideram como importantes. John Kotter, professor de Liderança na Harvard Business School e titular da cadeira Konosuke Matsushita, afirma que quando as idéias representam a nossa visão e os nossos valores e temos um forte compromisso emocional com elas, isto representa a verdadeira coragem. Nesta linha de pensamento, os valores não estavam bem definidos. O que era realmente mais importante para este grupo ? Ganhar a copa do mundo e demonstrar o seu verdadeiro amor a pátria, o orgulho de ser brasileiro , de pertencer a uma nação ? Ou colocar um título no currículo e lucrar financeiramente em razão da conquista ?.
Será que o grupo estava se sentindo como uma “Alice” diante do “Gato de Chesire” na fábula “Alice no País das Maravilhas” quando Alice lhe perguntou o caminho para sair dali e lhe disse que não importava muito onde queria sair, no que o Gato lhe respondeu “Então não importa o caminho que você escolha” ?
2) Liderança : Independente dos talentos excepcionais que tinha a disposição, Parreira não soube liderar seus comandados, pois confiava demais nas virtudes individuais de seus comandados. No mundo corporativo, espera-se do líder, a capacidade de contagiar a equipe, de forma que cada um dentro da equipe, saiba o verdadeiro sentido da missão.
Faltou a verdadeira coragem para o líder cobrar raça e empenho dos jogadores nos treinos e nos jogos, corrigir detalhes de posicionamento, assumir o papel de líder ( e de todos os sacríficios que esta posição demanda ) nos momentos difíceis.
Provavelmente pela falta de pulso do treinador, dentro do campo embora houvesse a figura do “capitão do time”, não houve um jogador com voz de comando, tal como Dunga na Copa de 1994 que cobrasse e mantivesse os jogadores “acesos” durante toda a partida.
3) Missão : Se o sentido da missão não está claro para todos os membros do grupo, torna-se difícil cobrar dos colaboradores, o “amor a camisa”, afinal se não sabemos a missão, como vamos saber o papel de cada um dentro da equipe?. Os objetivos pessoais acabam sobrepondo-se aos objetivos comuns do grupo, porque afinal ninguem sabe o objetivo do grupo.
4) Preparação : Rudolph Giuliani , prefeito de Nova York á época dos atentados de 11 de Setembro de 2001, afirma em suas palestras que aprendeu quando era promotor público, a importância da preparação, quando um juiz lhe afirmou que obtinha sucesso na corte porque para cada hora no tribunal, passava outras quatro horas se preparando. Antes da Copa do Mundo, como preparação para o campeonato ( e opção de Parreira) enfrentou apenas a Nova Zelândia (118ª colocada no ranking da Fifa ) ao passo que a França enfrentou no mesmo periodo equipes fortes como o México ( 4º no ranking ) e Dinamarca ( 11ª colocada ).
“É uma opção planejada, enquanto os outros estão jogando, nós estamos treinando” dizia Parreira. No final, incluiu a falta de jogos no rol das razões da derrota.
Os treinos eram animados bate-bolas em metade do campo, com os jogadores fora das posições habituais. “Esses treinos reforçam os fundamentos do futebol, atacar e defender”. Em campo, viu se jogadores totalmente desentrosados.
5) Espírito de equipe : Durante as folgas, os jogadores se isolavam nos seus quartos. Falavam pelos celulares o dia inteiro com mulheres, namoradas e amigos, se reunindo apenas nos treinos, ônibus, batucadas e sessões de leituras da Bíblia. Em uma equipe, é importante que as setas estejam alinhadas em uma direção e os membros se conheçam para que saibam detectar as fraquezas de cada um, e de que forma complementar com a competência alheia. Em uma equipe, todo mundo tem um papel diferente e ninguém é completo e auto-suficiente, desta forma é importante a complementaridade.
6) Paixão pelo sucesso : Em qualquer empreendimento, é necessário uma busca incessante pelo sucesso e garra do começo ao fim. A meta têm que estar presente no subconsciente de cada um, para que não seja necessário um agente externo para trazer este objetivo, no estado de consciência do indivíduo. O que se viu nos jogos foi uma tremenda apatia, como se a responsabilidade pelo resultado fosse sempre alheia e nunca parte das atribuições do “eu” invididual em prol do grupo.
Marcelino Hiroshi Kawamura é aluno do curso de MBA em Gestão Estratégica de Negócios na Universidade de Sorocaba (UNISO). Atualmente é responsável pela área de Tecnologia de Informação da Kyocera Yashica do Brasil
Referências bibliográficas
• Revista HSM Management. São Paulo: HSM do Brasil, n.52, Set/Out-2005.
• JANINI, Clarissa. ExpoManagement : o que o mundo corporativo tem a dizer”. São Paulo, 21 de Novembro de 2005. Disponível em : <
http://carreiras.empregos.com.br/carreira/administracao/noticias/ 211105-expomanagement.shtm >
• Religião e futebol são válvulas de escape em sociedades de risco. 18 de Novembro de 2005. Disponível em < http://www.labjor.unicamp.br/midiaciencia/article.php3?id_article=87>
(Disponível em: http://www.artigos.com/artigos/sociais/administracao/recursos-humanos/brasil-na-copa-do-mundo-de-2006-:-um-paralelo-com-o-ambiente-de-negocios-e-o-mundo-corporativo-das-empresas-464/artigo/ Acesso em 12 de setembro de 2009)
“O Adônis Químico”: estética, uso e abuso de drogas anabolizantes
Autor: Clodoaldo Gonçalves Leme - Doutorando em Psicologia Social (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)
Resumo
A estética é a ciência do belo. O belo não em sentido usual, estrito e próprio da palavra: o objeto da estética é tudo o que influi esteticamente sobre o homem. Uma obra de Mozart evoca, indubitavelmente, o objeto da estética; um cogumelo atômico também traz, em si, uma carga potencial de impressões estéticas. Muitos incluem a arte, necessariamente, na definição da estética. Claro que ela pertence ao campo da estética, é a função estética elementar e criativa do homem. Visto, porém, que o campo da estética é muito mais amplo - e considerando que na obra de arte há elementos “extra-estéticos” -, definir estética como a filosofia, ciência ou teoria do belo (ou da beleza) e da arte pode induzir a erro. Melhor seria afirmar que a estética é a ciência do belo artístico e do belo natural, e que o belo artístico é o objeto principal da estética.
O universo abrangido pela estética em nossos dias leva, necessariamente, a repensar o “belo natural”. Será que o “belo natural” ainda existe? Se analisarmos a questão no contexto de praticantes de musculação que utilizam esteróides anabolizantes – aspirantes a uma espécie de “beleza greco-química hipertrofiada” – podemos afirmar que não. A busca pelo belo a qualquer preço, digna de um Dorian Gray do século XXI (personagem de Oscar Wilde na obra “O Retrato de Dorian Gray” (1890); simboliza de forma trágica a busca da beleza a qualquer preço. Por meio de um pacto demoníaco, o personagem consegue manter a beleza física sem, contudo, se preocupar com a própria decadência moral), implica numa trágica relação de troca entre saúde e forma física. Nesse caso, o valor estético máximo – o “corpo-objeto-do-desejo”, símbolo de virilidade, força e saúde – nada mais é do que uma representação, uma construção estética paradoxalmente produzida pela corrupção do próprio corpo.
Em nosso tempo, a aparência é um valor fundamental. Não que ela não seja importante – basta pensar nas cores dos machos e nas performances de convencimento das fêmeas ao acasalamento em muitas espécies – mas sua importância foi superdimensionada. Nada se pode falar contra a busca pela beleza corporal, mas é preciso ficar atento quando essa demanda implica em riscos à saúde do “postulante a Adônis” (personagem da mitologia grega; é apontado, desde a Antigüidade, como modelo de beleza masculina). Então, buscaremos apresentar definições e orientações que podem contribuir para uma discussão mais abrangente acerca da relação entre o modelo de beleza estabelecido em nossos dias e possíveis preços a serem pago por ele.
O comportamento sexual humano está inexoravelmente relacionado a todos os aspectos da vida do indivíduo. Tal relação é complexa, mesmo porque o observador – por mais distante que seja - não pode se desligar dela. Não é fácil delimitar com segurança onde termina o “normal” e começa o “patológico” no comportamento sexual, de forma que os clínicos têm adotado a posição cautelosa de analisar o contexto geral em que ele se expressa.
Uma abordagem recente do comportamento sexual e reprodutivo tem chamado a atenção dos pesquisadores: é a que se refere ao uso exagerado de esteróides anabólicos, drogas que produzem efeitos indesejáveis no organismo. E o abuso dos esteróides anabólicos tem ocorrido principalmente entre atletas e fisiculturistas que fazem uso de uma terapia prolongada com altas doses destas drogas com o fim de aumentar sua força e massa muscular. Na realidade, muitos atletas acreditam não ser possível competir em provas de alto nível sem a ajuda dos esteróides anabolizantes. Na esteira deste processo, os jovens também abusam destas drogas visando aumentar seu potencial de aceitação no grupo e de atração junto a potenciais parceiros sexuais.
Tanto homens quanto mulheres que fazem o uso de esteródes anabólicos em altas doses e por períodos prolongados podem apresentar, entre outras coisas, espasmos musculares, hematúria (sangue na urina), acne, edema generalizado devido à retenção de água, sangramento na língua, náuseas, vômitos e uma variedade de comportamentos psicóticos, incluindo surtos de raiva e períodos de depressão. Finalmente, esteróides anabólicos orais podem produzir câncer hepático.
Nesse sentido, a realidade sobre os esteróides anabolizantes é essa: o prejuízo pode se dar a curto, médio ou longo prazo. A casuística é rica. Dentre os casos mais recentes, podemos citar a morte de jovens no Centro-Oeste do País no decorrer do ano de 2004 (em decorrência do uso de esteróides anabolizantes de uso animal) e os casos de doping nas Olimpíadas de Atenas, entre outros, que problematizam bem a questão. Eros e Thanatos parecem estar em farmácias; em um frasco de comprimidos ou em uma ampola.
De todos esses elementos, podemos tirar algumas conclusões: a primeira se refere à existência de uma “Ditadura dos Músculos” que atinge uma faixa da sociedade, principalmente a formada por jovens do sexo masculino; para esse grupo, o reconhecimento social está diretamente relacionado à representação corporal; em nome desta representação, colocam em risco a própria saúde; assim, pode-se deduzir que se sujeitam – ainda que inconscientemente – a um processo de reificação (conversão do ser em coisa) especialmente grave, porque auto-induzido.
A segunda conclusão, de caráter filosófico, se refere à questão da relação entre o ser e o ambiente. Ainda que a ciência hesite em adotar termos como “espírito”, podemos nos questionar acerca da porção “espiritual” dos indivíduos que “se estruturam” a partir de anabolizantes. Sendo o corpo um castelo, e sendo necessário incessantemente construir ameias, muralhas e fossos, podemos nos questionar acerca dos medos de seu principal ocupante – seria ele um rei franzino, frágil ou doente? Quais seus inimigos?
A terceira e última conclusão diz respeito à relação entre o alcance da ciência e os transtornos psiquiátricos decorrentes da supervalorização do corpo. Hoje é possível comprar seios mais volumosos, aumentar o tamanho do pênis, implantar cabelos ou, mesmo, transformar radicalmente (e ritualisticamente) o corpo a partir de tatuagens, piercings e outras intervenções tão ou mais severas. O consumo de esteróides anabolizantes se insere nesse contexto. O mercado não pergunta, porém, o que pode estar por trás deste tipo de demanda. Merece peito quem precisa de peito; e quem não precisa, por que busca?
A resposta mais drástica a perguntas como essa pode estar não na cultura de massa, mas nos círculos médicos, que já identificaram transtornos psiquiátricos como a chamada“dismorfia muscular”. Nela, o indivíduo, por mais musculoso que seja, vai sempre se aperceber franzino e carente de maior envergadura – para “curar a deficiência”, apelará para qualquer meio, mesmo os que coloquem sua vida em risco.
Em resumo, podemos concluir que a questão é grave, tendendo a se tornar gravíssima na proporção em que os meios de transformação corporal sejam facilitados, que a ética científica-médica seja colocada em um plano secundário, que a sociedade exija de forma mais radical padrões corporais e que transtornos psiquiátricos sejam ocultos ou intensificados por modismos.
(Disponível em: http://www.abrapso.org.br/siteprincipal/anexos/AnaisXIVENA/conteudo/pdf/trab_completo_59.pdf Acesso em 12 de setembro de 2009)
Resumo
A estética é a ciência do belo. O belo não em sentido usual, estrito e próprio da palavra: o objeto da estética é tudo o que influi esteticamente sobre o homem. Uma obra de Mozart evoca, indubitavelmente, o objeto da estética; um cogumelo atômico também traz, em si, uma carga potencial de impressões estéticas. Muitos incluem a arte, necessariamente, na definição da estética. Claro que ela pertence ao campo da estética, é a função estética elementar e criativa do homem. Visto, porém, que o campo da estética é muito mais amplo - e considerando que na obra de arte há elementos “extra-estéticos” -, definir estética como a filosofia, ciência ou teoria do belo (ou da beleza) e da arte pode induzir a erro. Melhor seria afirmar que a estética é a ciência do belo artístico e do belo natural, e que o belo artístico é o objeto principal da estética.
O universo abrangido pela estética em nossos dias leva, necessariamente, a repensar o “belo natural”. Será que o “belo natural” ainda existe? Se analisarmos a questão no contexto de praticantes de musculação que utilizam esteróides anabolizantes – aspirantes a uma espécie de “beleza greco-química hipertrofiada” – podemos afirmar que não. A busca pelo belo a qualquer preço, digna de um Dorian Gray do século XXI (personagem de Oscar Wilde na obra “O Retrato de Dorian Gray” (1890); simboliza de forma trágica a busca da beleza a qualquer preço. Por meio de um pacto demoníaco, o personagem consegue manter a beleza física sem, contudo, se preocupar com a própria decadência moral), implica numa trágica relação de troca entre saúde e forma física. Nesse caso, o valor estético máximo – o “corpo-objeto-do-desejo”, símbolo de virilidade, força e saúde – nada mais é do que uma representação, uma construção estética paradoxalmente produzida pela corrupção do próprio corpo.
Em nosso tempo, a aparência é um valor fundamental. Não que ela não seja importante – basta pensar nas cores dos machos e nas performances de convencimento das fêmeas ao acasalamento em muitas espécies – mas sua importância foi superdimensionada. Nada se pode falar contra a busca pela beleza corporal, mas é preciso ficar atento quando essa demanda implica em riscos à saúde do “postulante a Adônis” (personagem da mitologia grega; é apontado, desde a Antigüidade, como modelo de beleza masculina). Então, buscaremos apresentar definições e orientações que podem contribuir para uma discussão mais abrangente acerca da relação entre o modelo de beleza estabelecido em nossos dias e possíveis preços a serem pago por ele.
O comportamento sexual humano está inexoravelmente relacionado a todos os aspectos da vida do indivíduo. Tal relação é complexa, mesmo porque o observador – por mais distante que seja - não pode se desligar dela. Não é fácil delimitar com segurança onde termina o “normal” e começa o “patológico” no comportamento sexual, de forma que os clínicos têm adotado a posição cautelosa de analisar o contexto geral em que ele se expressa.
Uma abordagem recente do comportamento sexual e reprodutivo tem chamado a atenção dos pesquisadores: é a que se refere ao uso exagerado de esteróides anabólicos, drogas que produzem efeitos indesejáveis no organismo. E o abuso dos esteróides anabólicos tem ocorrido principalmente entre atletas e fisiculturistas que fazem uso de uma terapia prolongada com altas doses destas drogas com o fim de aumentar sua força e massa muscular. Na realidade, muitos atletas acreditam não ser possível competir em provas de alto nível sem a ajuda dos esteróides anabolizantes. Na esteira deste processo, os jovens também abusam destas drogas visando aumentar seu potencial de aceitação no grupo e de atração junto a potenciais parceiros sexuais.
Tanto homens quanto mulheres que fazem o uso de esteródes anabólicos em altas doses e por períodos prolongados podem apresentar, entre outras coisas, espasmos musculares, hematúria (sangue na urina), acne, edema generalizado devido à retenção de água, sangramento na língua, náuseas, vômitos e uma variedade de comportamentos psicóticos, incluindo surtos de raiva e períodos de depressão. Finalmente, esteróides anabólicos orais podem produzir câncer hepático.
Nesse sentido, a realidade sobre os esteróides anabolizantes é essa: o prejuízo pode se dar a curto, médio ou longo prazo. A casuística é rica. Dentre os casos mais recentes, podemos citar a morte de jovens no Centro-Oeste do País no decorrer do ano de 2004 (em decorrência do uso de esteróides anabolizantes de uso animal) e os casos de doping nas Olimpíadas de Atenas, entre outros, que problematizam bem a questão. Eros e Thanatos parecem estar em farmácias; em um frasco de comprimidos ou em uma ampola.
De todos esses elementos, podemos tirar algumas conclusões: a primeira se refere à existência de uma “Ditadura dos Músculos” que atinge uma faixa da sociedade, principalmente a formada por jovens do sexo masculino; para esse grupo, o reconhecimento social está diretamente relacionado à representação corporal; em nome desta representação, colocam em risco a própria saúde; assim, pode-se deduzir que se sujeitam – ainda que inconscientemente – a um processo de reificação (conversão do ser em coisa) especialmente grave, porque auto-induzido.
A segunda conclusão, de caráter filosófico, se refere à questão da relação entre o ser e o ambiente. Ainda que a ciência hesite em adotar termos como “espírito”, podemos nos questionar acerca da porção “espiritual” dos indivíduos que “se estruturam” a partir de anabolizantes. Sendo o corpo um castelo, e sendo necessário incessantemente construir ameias, muralhas e fossos, podemos nos questionar acerca dos medos de seu principal ocupante – seria ele um rei franzino, frágil ou doente? Quais seus inimigos?
A terceira e última conclusão diz respeito à relação entre o alcance da ciência e os transtornos psiquiátricos decorrentes da supervalorização do corpo. Hoje é possível comprar seios mais volumosos, aumentar o tamanho do pênis, implantar cabelos ou, mesmo, transformar radicalmente (e ritualisticamente) o corpo a partir de tatuagens, piercings e outras intervenções tão ou mais severas. O consumo de esteróides anabolizantes se insere nesse contexto. O mercado não pergunta, porém, o que pode estar por trás deste tipo de demanda. Merece peito quem precisa de peito; e quem não precisa, por que busca?
A resposta mais drástica a perguntas como essa pode estar não na cultura de massa, mas nos círculos médicos, que já identificaram transtornos psiquiátricos como a chamada“dismorfia muscular”. Nela, o indivíduo, por mais musculoso que seja, vai sempre se aperceber franzino e carente de maior envergadura – para “curar a deficiência”, apelará para qualquer meio, mesmo os que coloquem sua vida em risco.
Em resumo, podemos concluir que a questão é grave, tendendo a se tornar gravíssima na proporção em que os meios de transformação corporal sejam facilitados, que a ética científica-médica seja colocada em um plano secundário, que a sociedade exija de forma mais radical padrões corporais e que transtornos psiquiátricos sejam ocultos ou intensificados por modismos.
(Disponível em: http://www.abrapso.org.br/siteprincipal/anexos/AnaisXIVENA/conteudo/pdf/trab_completo_59.pdf Acesso em 12 de setembro de 2009)
Religião e futebol são válvulas de escape em sociedade de risco
As crenças religiosas aparecem em todos os times de futebol. Segundo o pesquisador Clodoaldo Gonçalves Leme, do Departamento de Ciências da Religião da PUC de São Paulo, essa é a maneira encontrada por muitos jogadores de suportar as pressões e as dificuldades da profissão dos sonhos de muitos brasileiros, devido à desigualdade social do país.A influência das manifestações religiosas é marcante no futebol brasileiro. Santinhos, capelas dentro dos clubes, oração de Ave Maria e Pai Nosso nos vestiários (independente da crença), camisas louvando Jesus e devoções afro-brasileiras invadem os campos de todo Brasil. Essa é o tema da dissertação de mestrado em Ciências da Religião “É Gol! Deus é 10 - A religiosidade no futebol profissional paulista e a sociedade de risco”, defendida pelo professor de educação física Clodoaldo Gonçalves Leme, em 15 de outubro.
Na opinião de muitos jogadores, técnicos e integrantes de comissão técnica, a fé potencializa o desempenho esportivo. Segundo o pesquisador, a religião tem lugar de destaque na vida destes profissionais, porque é um meio de ascensão instável, num país de grande desigualdade social. Muitos sonham com o profissionalismo, mas é um caminho difícil, a que poucos têm acesso, precisando passar por diversas provações. “Os profissionais da área sofrem grande pressão psicológica e física e muitas vezes não têm estrutura suficiente para suportar as dificuldades, de onde vem a necessidade de apoio religioso e apelo ao sobrenatural”, afirma Leme.
Os exemplos de fé no futebol são muitos.Em 2002, quando o Palmeiras foi rebaixado para a segunda divisão, a torcida Mancha Verde resolveu protestar fazendo um enterro simbólico de jogadores e dirigentes em frente ao clube. Para afastar o “mau agouro”, a calçada do clube Palestra Itália também foi lavada por baianas, como se faz na Igreja do Senhor do Bonfim, em Salvador. Esse é apenas um dos exemplos da influência das práticas religiosas no país pentacampeão.
De acordo com a pesquisa, a relação entre religião e futebol aparece com freqüência no Brasil, desde o início do século XIX, quando o esporte foi levado para os colégios pelos padres jesuítas. Não é à toa que domingo é o dia da missa e também de futebol. A maioria dos jogadores usa um amuleto ou escapulário no peito. Os traços religiosos aparecem até mesmo no nome dos clubes como Santos e Parque São Jorge. “Alguns técnicos levam as camisas para terreiros de umbanda, sem os atletas saberem, outros fazem rituais escondidos com velas e flores no campo, e já houve casos até de mandarem colocar sal grosso dentro da chuteira ou no gramado”, conta Clodoaldo Leme.
Segundo o pesquisador, a busca por uma segurança em um ambiente de constante pressão começa entre os jogadores amadores. Os garotos costumam ser muito cobrados, podem sofrer lesões e problemas pessoais que influenciam no rendimento esportivo. “A probabilidade de sofrer pressões e, assim se desestruturar emocionalmente, é enorme, pois nem todos são capazes de suportar essa situação de risco”, afirma Clodoaldo. “Para conquistar uma vaga num time profissional, buscam respostas por meio do transcendente”.
No país do sincretismo religioso, as demonstrações coletivas de fé envolvendo todo o time ocorrem mais nas finais de campeonatos, quando uns vibram pela vitória e outros choram o rebaixamento. É comum, por exemplo, jogadores comemorarem o gol apontando para o céu, agradecendo a graça recebida. “Quando ganham agradecem e nas derrotas, costumam acreditar que a crise foi enviada por Deus para que aprendam alguma coisa”, diz Clodoaldo Leme.
O curioso é que até na mídia o discurso religioso aparece nas manchetes de esporte associados ao futebol: “Só um milagre pode salvar”; “Reza do Palmeiras não resolve, Romário joga”; “Jogo de vida ou morte”; “Do céu para o inferno” e “Robinho desceu do Paraíso” são alguns exemplos.
Clodoaldo Lemelembra que este não é um fenômeno apenas brasileiro. Quando Maradona esteve internado em estado grave, a manchete era “Deus, salve Dieguito”, mostrando um torcedor segurando a imagem de Nossa Senhora e rezando. Quando estava se recuperando, os fãs argentinos costumavam dizer: “Deus não morre”. Eles chegaram até a fundar a Igreja Maradoniana, onde cantam hinos de louvor ao ídolo, há chuteiras em forma de cruz e até a estatueta do jogador rodeada de anjinhos. “Para muitos, o futebol ainda significa a única forma de salvação”, conclui o pesquisador.
(Disponível em: http://www.labjor.unicamp.br/midiaciencia/article.php3?id_article=87 Acesso em 12 de setembro de 2009)
Na opinião de muitos jogadores, técnicos e integrantes de comissão técnica, a fé potencializa o desempenho esportivo. Segundo o pesquisador, a religião tem lugar de destaque na vida destes profissionais, porque é um meio de ascensão instável, num país de grande desigualdade social. Muitos sonham com o profissionalismo, mas é um caminho difícil, a que poucos têm acesso, precisando passar por diversas provações. “Os profissionais da área sofrem grande pressão psicológica e física e muitas vezes não têm estrutura suficiente para suportar as dificuldades, de onde vem a necessidade de apoio religioso e apelo ao sobrenatural”, afirma Leme.
Os exemplos de fé no futebol são muitos.Em 2002, quando o Palmeiras foi rebaixado para a segunda divisão, a torcida Mancha Verde resolveu protestar fazendo um enterro simbólico de jogadores e dirigentes em frente ao clube. Para afastar o “mau agouro”, a calçada do clube Palestra Itália também foi lavada por baianas, como se faz na Igreja do Senhor do Bonfim, em Salvador. Esse é apenas um dos exemplos da influência das práticas religiosas no país pentacampeão.
De acordo com a pesquisa, a relação entre religião e futebol aparece com freqüência no Brasil, desde o início do século XIX, quando o esporte foi levado para os colégios pelos padres jesuítas. Não é à toa que domingo é o dia da missa e também de futebol. A maioria dos jogadores usa um amuleto ou escapulário no peito. Os traços religiosos aparecem até mesmo no nome dos clubes como Santos e Parque São Jorge. “Alguns técnicos levam as camisas para terreiros de umbanda, sem os atletas saberem, outros fazem rituais escondidos com velas e flores no campo, e já houve casos até de mandarem colocar sal grosso dentro da chuteira ou no gramado”, conta Clodoaldo Leme.
Segundo o pesquisador, a busca por uma segurança em um ambiente de constante pressão começa entre os jogadores amadores. Os garotos costumam ser muito cobrados, podem sofrer lesões e problemas pessoais que influenciam no rendimento esportivo. “A probabilidade de sofrer pressões e, assim se desestruturar emocionalmente, é enorme, pois nem todos são capazes de suportar essa situação de risco”, afirma Clodoaldo. “Para conquistar uma vaga num time profissional, buscam respostas por meio do transcendente”.
No país do sincretismo religioso, as demonstrações coletivas de fé envolvendo todo o time ocorrem mais nas finais de campeonatos, quando uns vibram pela vitória e outros choram o rebaixamento. É comum, por exemplo, jogadores comemorarem o gol apontando para o céu, agradecendo a graça recebida. “Quando ganham agradecem e nas derrotas, costumam acreditar que a crise foi enviada por Deus para que aprendam alguma coisa”, diz Clodoaldo Leme.
O curioso é que até na mídia o discurso religioso aparece nas manchetes de esporte associados ao futebol: “Só um milagre pode salvar”; “Reza do Palmeiras não resolve, Romário joga”; “Jogo de vida ou morte”; “Do céu para o inferno” e “Robinho desceu do Paraíso” são alguns exemplos.
Clodoaldo Lemelembra que este não é um fenômeno apenas brasileiro. Quando Maradona esteve internado em estado grave, a manchete era “Deus, salve Dieguito”, mostrando um torcedor segurando a imagem de Nossa Senhora e rezando. Quando estava se recuperando, os fãs argentinos costumavam dizer: “Deus não morre”. Eles chegaram até a fundar a Igreja Maradoniana, onde cantam hinos de louvor ao ídolo, há chuteiras em forma de cruz e até a estatueta do jogador rodeada de anjinhos. “Para muitos, o futebol ainda significa a única forma de salvação”, conclui o pesquisador.
(Disponível em: http://www.labjor.unicamp.br/midiaciencia/article.php3?id_article=87 Acesso em 12 de setembro de 2009)
Gol! Deus é 10! Futebol e Religião, no Brasil, sempre andaram juntos
O mestre em Ciências da Religião pela PUC-SP não tem dúvidas. Futebol e religião sempre andaram juntos. Em entrevista por e-mail à IHU On-Line, o autor da dissertação intitulada É Gol! Deus é 10 - A Religiosidade no Futebol Profissional Paulista e a Sociedade de Risco aborda o tema, ampliando-o para o contexto brasileiro e analisando o clima de final de campeonatos que vivemos hoje.
Confira a entrevista com o especialista:
IHU On-Line - Qual a relação entre religião, futebol e sociedade de risco?
Clodoaldo Gonçalves Leme - Em primeiro lugar, não se pode negar que a religião e o futebol são dois fenômenos arraigados na cultura brasileira. Podemos perceber situações que demonstram estes aspectos de Norte a Sul do Brasil. A sociedade de risco, seria uma fase que estamos passando, em que o velho não passou e novo não chegou. Sociedade de risco é uma era de desequilíbrio, de incerteza, de instabilidade, percebidas, principalmente, pelo desemprego ou empregos precários, desestrutura familiar, degradação do Meio Ambiente etc. Então, a relação se dá da seguinte maneira: tendo em vista a presença significativa de manifestações de religiosidade entre atletas, nos times, entre técnicos de futebol e demais integrantes da comissão técnica - e segundo a opinião de muitos deles, de que a fé potencializa o desempenho esportivo -, uma crença religiosa pode ser um fator decisivo para esses colocarem em um contexto as chamadas "situações de risco" vividas em suas trajetórias, na sua vida dentro do mundo do futebol e na sua vida particular.
As manifestações de religiosidade no futebol são fruto do risco vivido por seus participantes
O capitalismo moderno se insere no futuro ao prever lucros e perdas - ou seja, ao "apostar no risco" - continuamente. Neste sentido, dentro do ambiente do futebol - que não é profissionalmente dos mais estáveis -, o atleta, além de ter de enfrentar os riscos do capitalismo, do "mercado futebolístico", sofre também os riscos do seu meio de atuação. Assim, não estando bem fisicamente, tecnicamente, taticamente, emocionalmente - fatores que determinam seu rendimento - o risco de ser descartado é grande, pois a competitividade é acentuada. O ambiente do futebol proporciona uma busca real de respostas por meio do transcendente. Assim, as manifestações de religiosidade no futebol são fruto do risco vivido por seus participantes. Elas são evidenciadas materialmente por esse esporte ser um "grande espetáculo".
IHU On-Line - Por que a religião tem um papel de destaque na vida dos jogadores de futebol?
Clodoaldo Gonçalves Leme - Não há como negar que todos os seres humanos estão sujeitos a falhas, seja por meio de pensamentos ou de ações. Mas, ao aumentar o risco, cresce a inclinação ao erro, pois a probabilidade de sofrer pressões e, assim, se desestruturar emocionalmente, é enorme. Nem todos possuem uma integração psicofísica capaz de suportar algum impacto, seja ele positivo ou negativo. O futebol é um esporte espetacular e de grandes riscos. Quem nele atua não pode considerar a hipótese de erros, pois eles podem causar grandes estragos. A obrigação do batedor de pênalti é fazer o gol. A do goleiro, ainda que com menores chances de sucesso, é defendê-lo. Muitas vezes, o equívoco provoca catástrofes. Isso deve ser evitado a todo custo. No mundo do futebol, o erro, além de prejuízos individuais, pode trazer risco ao patrimônio do clube e à integridade física dos profissionais do esporte (depredações, arremesso de objetos, brigas entre torcidas, invasões de gramados etc). Há seres humanos que pensam que podem tudo e, portanto, desejam fazer tudo. Tal atitude implica no estabelecimento de uma verdadeira fonte de riscos.
Fatores subjetivos motivam a busca do "divino"
Se um "funcionário da bola" deixa de jogar uma partida importante acarreta uma crise, que implica em multa para o ausente, críticas e cobranças pela mídia e, principalmente, por torcedores revoltados com os "danos" causados ao espetáculo. O fato de o atleta entrar em campo é outra situação de risco, pois, se ele não desempenhar um bom papel, não saberá o que o esperará depois. Esses fatores estão no campo da subjetividade, mas a sociedade de risco exige formas de ações objetivas. O que fazer então? Buscar a ajuda do "divino"? Sim! Como percebi nas entrevistas que realizei, e no decorrer da construção da dissertação, a situação de risco existente no ambiente do futebol profissional (e fora dele também) motiva seus participantes a se manifestar religiosamente.
A busca da religiosidade funciona como um "bálsamo" na vida dos "personagens" do futebol
A busca da religião, da religiosidade, funciona com um "bálsamo" na vida dos "personagens" do futebol. Muito interessante também é relatar o seguinte fato: a análise do desenvolvimento histórico do futebol e de sua relação com a religiosidade mostra inicialmente que, em todos os locais e períodos em que esse esporte floresceu, foram constatados os aspectos do risco x espetáculo x religiosidade. Por meio da observação das instituições e dos indivíduos, percebi a estreita ligação entre cada um desses aspectos, bem como suas derivações, entre as quais se conta o uso de um "marketing religioso futebolístico". Há momentos em que o indivíduo divulga uma "marca" religiosa por sua própria conta, para expressar sua crença religiosa e, também, a instituição religiosa a que pertence. Em outros momentos, é a instituição religiosa que faz uso do indivíduo para promover seus produtos. Considerando o papel da religião como mecanismo regulador do estresse social e da pressão do meio sobre o indivíduo, podemos dizer que o marketing religioso no futebol se enquadra no modelo de sociedade de risco e de sociedade do espetáculo. A religião associada ao futebol reduz a percepção desse risco ao mesmo tempo em que gera uma representação de paz interior e segurança do indivíduo face ao meio em que ele está inserido. A mescla futebol x religião produz uma verdadeira "potência de espetáculo".
IHU On-Line - E com as torcidas, a religiosidade funciona da mesma maneira?
Clodoaldo Gonçalves Leme - Não pesquisei a fundo o aspecto em torcidas, mas em um estudo específico sobre elas, poderíamos partir do mesmo princípio, levando em consideração que muitas equipes já são objeto de devoção de muitos torcedores, no lugar de sua religião. Os hinos das equipes seriam os cantos religiosos, os atletas "consagrados" seriam os santos, o momento do gol, seria o momento de êxtase, e outras muitas aproximações podem ser feitas simbolicamente.
IHU On-Line - Tomando exemplos práticos desta relação, seja no jogo que tornou o Grêmio campeão da Série B, no sábado, dia 26 de novembro, ou em qualquer decisão de campeonato, ouve-se e lê-se na mídia expressões como "foi um milagre". Como isso funciona no imaginário popular? Deus toma partido no futebol?
Clodoaldo Gonçalves Leme - Há um capítulo em minha dissertação, onde há um subtítulo denominado A leitura religiosa do futebol na mídia. Ali detectei que a presença de notícias do futebol ligadas ao sobrenatural nos meios de comunicação são mais evidentes em fases finais de campeonatos, nas quais as equipes podem alcançar o "céu", ou seja, o título de campeão (ou as melhores classificações). O "purgatório" das classificações intermediárias, que não rebaixam o clube, mas que também não agradam a torcida. E o "inferno", representado pela queda de divisão ou pela perda de um título. Percebi também que ações diferenciadas de atores do meio futebolístico são utilizadas pela mídia como elemento de aproximação face ao universo religioso. Nesse caso, certas atitudes se tornam "pecados", certas vitórias,"milagres", e certos indivíduos, "santos" (o melhor exemplo é o goleiro do Palmeiras no ano de 1999, quando a equipe conquistou a Copa Libertadores da América: "São" Marcos).
"O fator diversidade religiosa nos campos de futebol é confirmado por minha pesquisa"
Referente ao imaginário popular e às preces dos gaúchos e dos pernambucanos, vale ressaltar que o Brasil é um país de crenças diversificadas - participam do mesmo jogo católicos, evangélicos etc. Há uma grande relação com o transcendente e isso é uma estimulação benévola na visão de muitos participantes do futebol. Todos pedem e agradecem: um ganha, outro perde. Se não houver uma fé ingênua, algo de bom há de ser extraído de qualquer resultado, principalmente da derrota, onde as crises e as buscas por explicações são maiores. O fator diversidade religiosa nos campos de futebol é confirmado por dados obtidos na minha pesquisa referentes à afiliação do indivíduo a alguma religião e também a denominação religiosa com que ele mantém vínculo. Sobre a relação com o transcendente ser um estímulo benéfico, mesmo os que acham que não há uma ajuda direta consideram, indiretamente, que ela pode influir positivamente em alguma esfera.
O que determina o resultado de uma partida é a combinação de técnica, tática, físico e emocional
Também não há dúvidas sobre a importância dos pedidos de orações e agradecimentos diante das incertezas dos resultados, pois, quando se aumenta a pressão em favor de se atuar frente às situações de risco, os integrantes de comissão técnica e atletas fazem seus pedidos e, depois do desfecho da situação, seus agradecimentos. Por fim, o que determina o resultado de uma partida é a combinação dos fatores: técnico, tático, físico e emocional. Quem estiver melhor vence. A crença ajuda, e muito, mas não adianta crer e não treinar. Um fator completa o outro, lembrando que é impossível provar que um tenha mais fé que o outro. Isso é subjetivo.
IHU On-Line - O seu mestrado fala do futebol profissional paulista, mas os resultados encontrados pelo senhor podem ser entendidos como um comportamento brasileiro?
Clodoaldo Gonçalves Leme - Não tenho dúvidas sobre isso, principalmente pelo "trânsito" existente entre atletas e integrantes de comissões técnicas nas equipes. Profissionais relataram as manifestações de religiosidade como algo impossível de não ser realizado em qualquer ambiente do futebol, por mais que existam técnicos que apenas tolerem este comportamento.
IHU On-Line - Como funcionou a sua pesquisa?
Clodoaldo Gonçalves Leme - Procurei investigar as manifestações de religiosidade no futebol profissional paulista. Dentro do universo de pesquisa, escolhi cinco equipes que disputam a primeira divisão do campeonato estadual (Sport Club Corinthians Paulista, Santos Futebol Clube, Sociedade Esportiva Palmeiras, São Paulo Futebol Clube e Associação Desportiva São Caetano). Os principais motivos da escolha dessas equipes foram o grande espaço a elas atribuídas pelos meios de comunicação, o fato de serem de "massa" ou "emergentes" e também por serem o objeto de desejo de atletas iniciantes e de profissionais consagrados do futebol. Busquei trabalhar em duas linhas: uma de caráter teórico-bibliográfico e a outra de caráter empírico. Para compreender o porquê das manifestações de religiosidade no futebol empreguei a teoria da Sociedade de Risco, de Ulrich Beck, e elementos da Sociedade do Espetáculo, de Guy Debord, que foram essenciais para a dissertação. A aproximação das teorias risco/espetáculo em relação à realidade brasileira e, principalmente, ao "esporte das multidões", em conjunto com a pesquisa de campo (realizada com vinte personagens do futebol), permitiu-me concluir que o risco é um dos grandes motivadores das manifestações de religiosidade no futebol. Ou seja, o espiral risco/espetáculo, fruto do sistema sócio-econômico capitalista, competitivo e excludente, é determinante para a compreensão do meu trabalho.
(Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br Acesso em 12 de setembro de 2009)
Confira a entrevista com o especialista:
IHU On-Line - Qual a relação entre religião, futebol e sociedade de risco?
Clodoaldo Gonçalves Leme - Em primeiro lugar, não se pode negar que a religião e o futebol são dois fenômenos arraigados na cultura brasileira. Podemos perceber situações que demonstram estes aspectos de Norte a Sul do Brasil. A sociedade de risco, seria uma fase que estamos passando, em que o velho não passou e novo não chegou. Sociedade de risco é uma era de desequilíbrio, de incerteza, de instabilidade, percebidas, principalmente, pelo desemprego ou empregos precários, desestrutura familiar, degradação do Meio Ambiente etc. Então, a relação se dá da seguinte maneira: tendo em vista a presença significativa de manifestações de religiosidade entre atletas, nos times, entre técnicos de futebol e demais integrantes da comissão técnica - e segundo a opinião de muitos deles, de que a fé potencializa o desempenho esportivo -, uma crença religiosa pode ser um fator decisivo para esses colocarem em um contexto as chamadas "situações de risco" vividas em suas trajetórias, na sua vida dentro do mundo do futebol e na sua vida particular.
As manifestações de religiosidade no futebol são fruto do risco vivido por seus participantes
O capitalismo moderno se insere no futuro ao prever lucros e perdas - ou seja, ao "apostar no risco" - continuamente. Neste sentido, dentro do ambiente do futebol - que não é profissionalmente dos mais estáveis -, o atleta, além de ter de enfrentar os riscos do capitalismo, do "mercado futebolístico", sofre também os riscos do seu meio de atuação. Assim, não estando bem fisicamente, tecnicamente, taticamente, emocionalmente - fatores que determinam seu rendimento - o risco de ser descartado é grande, pois a competitividade é acentuada. O ambiente do futebol proporciona uma busca real de respostas por meio do transcendente. Assim, as manifestações de religiosidade no futebol são fruto do risco vivido por seus participantes. Elas são evidenciadas materialmente por esse esporte ser um "grande espetáculo".
IHU On-Line - Por que a religião tem um papel de destaque na vida dos jogadores de futebol?
Clodoaldo Gonçalves Leme - Não há como negar que todos os seres humanos estão sujeitos a falhas, seja por meio de pensamentos ou de ações. Mas, ao aumentar o risco, cresce a inclinação ao erro, pois a probabilidade de sofrer pressões e, assim, se desestruturar emocionalmente, é enorme. Nem todos possuem uma integração psicofísica capaz de suportar algum impacto, seja ele positivo ou negativo. O futebol é um esporte espetacular e de grandes riscos. Quem nele atua não pode considerar a hipótese de erros, pois eles podem causar grandes estragos. A obrigação do batedor de pênalti é fazer o gol. A do goleiro, ainda que com menores chances de sucesso, é defendê-lo. Muitas vezes, o equívoco provoca catástrofes. Isso deve ser evitado a todo custo. No mundo do futebol, o erro, além de prejuízos individuais, pode trazer risco ao patrimônio do clube e à integridade física dos profissionais do esporte (depredações, arremesso de objetos, brigas entre torcidas, invasões de gramados etc). Há seres humanos que pensam que podem tudo e, portanto, desejam fazer tudo. Tal atitude implica no estabelecimento de uma verdadeira fonte de riscos.
Fatores subjetivos motivam a busca do "divino"
Se um "funcionário da bola" deixa de jogar uma partida importante acarreta uma crise, que implica em multa para o ausente, críticas e cobranças pela mídia e, principalmente, por torcedores revoltados com os "danos" causados ao espetáculo. O fato de o atleta entrar em campo é outra situação de risco, pois, se ele não desempenhar um bom papel, não saberá o que o esperará depois. Esses fatores estão no campo da subjetividade, mas a sociedade de risco exige formas de ações objetivas. O que fazer então? Buscar a ajuda do "divino"? Sim! Como percebi nas entrevistas que realizei, e no decorrer da construção da dissertação, a situação de risco existente no ambiente do futebol profissional (e fora dele também) motiva seus participantes a se manifestar religiosamente.
A busca da religiosidade funciona como um "bálsamo" na vida dos "personagens" do futebol
A busca da religião, da religiosidade, funciona com um "bálsamo" na vida dos "personagens" do futebol. Muito interessante também é relatar o seguinte fato: a análise do desenvolvimento histórico do futebol e de sua relação com a religiosidade mostra inicialmente que, em todos os locais e períodos em que esse esporte floresceu, foram constatados os aspectos do risco x espetáculo x religiosidade. Por meio da observação das instituições e dos indivíduos, percebi a estreita ligação entre cada um desses aspectos, bem como suas derivações, entre as quais se conta o uso de um "marketing religioso futebolístico". Há momentos em que o indivíduo divulga uma "marca" religiosa por sua própria conta, para expressar sua crença religiosa e, também, a instituição religiosa a que pertence. Em outros momentos, é a instituição religiosa que faz uso do indivíduo para promover seus produtos. Considerando o papel da religião como mecanismo regulador do estresse social e da pressão do meio sobre o indivíduo, podemos dizer que o marketing religioso no futebol se enquadra no modelo de sociedade de risco e de sociedade do espetáculo. A religião associada ao futebol reduz a percepção desse risco ao mesmo tempo em que gera uma representação de paz interior e segurança do indivíduo face ao meio em que ele está inserido. A mescla futebol x religião produz uma verdadeira "potência de espetáculo".
IHU On-Line - E com as torcidas, a religiosidade funciona da mesma maneira?
Clodoaldo Gonçalves Leme - Não pesquisei a fundo o aspecto em torcidas, mas em um estudo específico sobre elas, poderíamos partir do mesmo princípio, levando em consideração que muitas equipes já são objeto de devoção de muitos torcedores, no lugar de sua religião. Os hinos das equipes seriam os cantos religiosos, os atletas "consagrados" seriam os santos, o momento do gol, seria o momento de êxtase, e outras muitas aproximações podem ser feitas simbolicamente.
IHU On-Line - Tomando exemplos práticos desta relação, seja no jogo que tornou o Grêmio campeão da Série B, no sábado, dia 26 de novembro, ou em qualquer decisão de campeonato, ouve-se e lê-se na mídia expressões como "foi um milagre". Como isso funciona no imaginário popular? Deus toma partido no futebol?
Clodoaldo Gonçalves Leme - Há um capítulo em minha dissertação, onde há um subtítulo denominado A leitura religiosa do futebol na mídia. Ali detectei que a presença de notícias do futebol ligadas ao sobrenatural nos meios de comunicação são mais evidentes em fases finais de campeonatos, nas quais as equipes podem alcançar o "céu", ou seja, o título de campeão (ou as melhores classificações). O "purgatório" das classificações intermediárias, que não rebaixam o clube, mas que também não agradam a torcida. E o "inferno", representado pela queda de divisão ou pela perda de um título. Percebi também que ações diferenciadas de atores do meio futebolístico são utilizadas pela mídia como elemento de aproximação face ao universo religioso. Nesse caso, certas atitudes se tornam "pecados", certas vitórias,"milagres", e certos indivíduos, "santos" (o melhor exemplo é o goleiro do Palmeiras no ano de 1999, quando a equipe conquistou a Copa Libertadores da América: "São" Marcos).
"O fator diversidade religiosa nos campos de futebol é confirmado por minha pesquisa"
Referente ao imaginário popular e às preces dos gaúchos e dos pernambucanos, vale ressaltar que o Brasil é um país de crenças diversificadas - participam do mesmo jogo católicos, evangélicos etc. Há uma grande relação com o transcendente e isso é uma estimulação benévola na visão de muitos participantes do futebol. Todos pedem e agradecem: um ganha, outro perde. Se não houver uma fé ingênua, algo de bom há de ser extraído de qualquer resultado, principalmente da derrota, onde as crises e as buscas por explicações são maiores. O fator diversidade religiosa nos campos de futebol é confirmado por dados obtidos na minha pesquisa referentes à afiliação do indivíduo a alguma religião e também a denominação religiosa com que ele mantém vínculo. Sobre a relação com o transcendente ser um estímulo benéfico, mesmo os que acham que não há uma ajuda direta consideram, indiretamente, que ela pode influir positivamente em alguma esfera.
O que determina o resultado de uma partida é a combinação de técnica, tática, físico e emocional
Também não há dúvidas sobre a importância dos pedidos de orações e agradecimentos diante das incertezas dos resultados, pois, quando se aumenta a pressão em favor de se atuar frente às situações de risco, os integrantes de comissão técnica e atletas fazem seus pedidos e, depois do desfecho da situação, seus agradecimentos. Por fim, o que determina o resultado de uma partida é a combinação dos fatores: técnico, tático, físico e emocional. Quem estiver melhor vence. A crença ajuda, e muito, mas não adianta crer e não treinar. Um fator completa o outro, lembrando que é impossível provar que um tenha mais fé que o outro. Isso é subjetivo.
IHU On-Line - O seu mestrado fala do futebol profissional paulista, mas os resultados encontrados pelo senhor podem ser entendidos como um comportamento brasileiro?
Clodoaldo Gonçalves Leme - Não tenho dúvidas sobre isso, principalmente pelo "trânsito" existente entre atletas e integrantes de comissões técnicas nas equipes. Profissionais relataram as manifestações de religiosidade como algo impossível de não ser realizado em qualquer ambiente do futebol, por mais que existam técnicos que apenas tolerem este comportamento.
IHU On-Line - Como funcionou a sua pesquisa?
Clodoaldo Gonçalves Leme - Procurei investigar as manifestações de religiosidade no futebol profissional paulista. Dentro do universo de pesquisa, escolhi cinco equipes que disputam a primeira divisão do campeonato estadual (Sport Club Corinthians Paulista, Santos Futebol Clube, Sociedade Esportiva Palmeiras, São Paulo Futebol Clube e Associação Desportiva São Caetano). Os principais motivos da escolha dessas equipes foram o grande espaço a elas atribuídas pelos meios de comunicação, o fato de serem de "massa" ou "emergentes" e também por serem o objeto de desejo de atletas iniciantes e de profissionais consagrados do futebol. Busquei trabalhar em duas linhas: uma de caráter teórico-bibliográfico e a outra de caráter empírico. Para compreender o porquê das manifestações de religiosidade no futebol empreguei a teoria da Sociedade de Risco, de Ulrich Beck, e elementos da Sociedade do Espetáculo, de Guy Debord, que foram essenciais para a dissertação. A aproximação das teorias risco/espetáculo em relação à realidade brasileira e, principalmente, ao "esporte das multidões", em conjunto com a pesquisa de campo (realizada com vinte personagens do futebol), permitiu-me concluir que o risco é um dos grandes motivadores das manifestações de religiosidade no futebol. Ou seja, o espiral risco/espetáculo, fruto do sistema sócio-econômico capitalista, competitivo e excludente, é determinante para a compreensão do meu trabalho.
(Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br Acesso em 12 de setembro de 2009)
Jogo Místico
O futebol brasileiro é cheio de crendices, superstições, simpatias, rezas e tabus. Por mais que se queira avaliá-lo com lógicas e estatísticas, o resultado do jogo do time para o torcedor fanático é graças à camisa ou cueca da sorte, à promessa para o São Jorge. Exatamente por isso, a imprensa brasileira por vezes tem dificuldade de separar as duas coisas. O misticismo e o esporte, principalmente o futebol, andam de mãos dadas para torcedores doentes, jogadores inseguros ou técnicos apreensivos.
A vitória é dos santos
O futebol foi trazido ao Brasil pelos jesuítas. Essa pode ser uma boa explicação para a enxurrada de santinhos, rezas, promessas, e outros rituais presentes nas partidas de futebol. A torcida canta hinos ao time e intercede pelos jogadores, que decidem no gramado o destino da equipe: céu ou inferno. A diversidade religiosa no futebol é vista por estudiosos como uma válvula de escape à pressão e responsabilidade que pesa sobre atletas e torcedores.
Quem explica o assunto é o professor Clodoaldo Leme, mestre em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC). Leme é graduado em Educação Física e se especializou em Treinamento Esportivo e Fitness. Atualmente é doutorando em Psicologia Social na PUC. Ao final da entrevista, é possível conferir um trecho de seu estudo, "A leitura religiosa do futebol na mídia".
Canal da Imprensa - Como se dá a relação entre religião e esporte, e os itens místicos que fazem parte do inventário esportivo?
Clodoaldo Leme - No Brasil, essa relação começa no final do século 19. Nessa época, alguns padres de colégios jesuítas vão visitar a Europa para buscar algumas atividades para os estudantes, e lá conhecem o futebol. Então eles trazem o esporte para o Brasil, embora não da mesma forma que conhecemos hoje, e começa-se a praticar o futebol dentro do colégio. Tempo depois, a modalidade é levada aos clubes por alguns dos ex-alunos do colégio. Um deles é Charles Miller, que é considerado o “pai do futebol”, mas na verdade, pois ele apenas inseriu o esporte nos clubes. Então é aí que começa a relação entre futebol e religião no Brasil. Mas as manifestações começam a ficar mais evidentes quando aumenta a rivalidade no esporte. Entre 1920 e 1930, as empresas percebem o futebol como um lazer interessante para o atleta-funcionário, e começam a ir a campo com mais freqüência. Quando as competições entre empresas começam a exigir mais responsabilidade dos atletas, eles começam a beijar santinha, fazer o sinal da cruz e agradecer a Deus. Com o tempo, aumentando a rivalidade e as exigências sobre as equipes, as manifestações aumentam mais ainda devido ao crescimento das religiões afro-brasileiras (anos 40-50). Nas décadas de 70 e 80 percebemos um aumento e, inclusive, as manifestações dos Atletas de Cristo, que surgiram em 1978. Perto dos anos 90, com a globalização, é possível perceber todo tipo de manifestação. É importante entender esse processo, pois hoje é possível perceber as várias manifestações religiosas em campo, já que trata-se de um esporte de muita competição, pois além da vitória que é decidida no gramado, existe o fator financeiro.
CI - Como você avalia a forma com que isso afeta o psicológico dos atletas?
Leme - É uma coisa complicada. A maioria dos atletas não tem noção de que, quando buscam uma religião ou divindade para ajudar a enfrentar as pressões, fazem isso de uma forma muito abstrata. Eles também não entendem que são produtos para o mercado capitalista. No trabalho, procura apenas reproduzir o que é feito, mas não questiona a razão porque é cobrado o tempo todo, já que não pode reclamar de nada. Essa falta de perspectiva e cuidado faz com que ele se apegue a uma religião. Isso é complicado para o atleta, pois acaba usando a religião como uma forma de tirar o peso que cai sobre ele. Ou seja, se perde é vontade de Deus, se ganha é vontade de Deus. Assim, jogando toda a responsabilidade para Deus, o atleta não consegue refletir e analisar seu desempenho, o que ele pode melhorar ou modificar. Se o jogador estivesse consciente do que acontece no ambiente do futebol, a interferência da religião seria positiva, mas como ele não reflete, acaba sendo uma banalização, e isso não é válido para a vida do atleta.
CI - Então a responsabilidade e pressão de conseguir bons resultados seria um dos motivos pelos quais os atletas buscam o “divino”?
Leme - Sim, é o principal motivo. Você pode perceber isso quando chegam as finais de campeonatos. Os atletas podem chegar ao céu ou ao inferno, ou seja, serem campeões ou serem rebaixados. As manifestações começam a se intensificar porque não há controle sobre a partida. O ambiente do futebol é de extremo risco. Para chegar ao nível profissional o atleta tem que abrir mão de tudo: estudo, cursos profissionalizantes, família. E quando consegue chegar ao topo os riscos continuam. Ele precisar estar bem tecnicamente, fisicamente e emocionalmente, tem que ser completo. Esses e outros desafios o motivam a procurar uma religiosidade, como forma de encontrar conforto e respostas. Mas não é porque está centrado em Deus que ele vai mudar seu comportamento em campo. Muitos dos Atletas de Cristo, católicos e evangélicos também continuam agressivos, usam Deus para contextualizar o momento de tensão que vive. É nas situações de stress e risco maior que as manifestações de acentuam.
CI - Até onde é saudável essa relação entre religião e esporte?
Leme - Seria saudável se ele não usasse a religião somente na busca pelo conforto, mas se ele refletisse sobre o ambiente que vive. Se for usada apenas para justificar um erro ou uma boa atitude dele, não é válida essa relação. O Kaká, por exemplo, fala de Deus a todo o momento. Já li estudos que apontam que, ou ele é uma pessoa alienada, ou é também é corrompido, pois não se posiciona quanto à todas as acusações judiciais contra a Igreja Renascer. O futebol é um ambiente que não permite qualquer autonomia, pois a qualquer atitude do jogador, ele é julgado pela torcida, pelo técnico e até pela mídia. Caso ele decida se rebelar, está fora. Este é o prejudicial da religião, não permite que eles reflitam sobre o que está acontecendo no ambiente.
CI - E quanto aos torcedores, a fé também potencializa o otimismo deles com o esporte?
Leme - Acredito que sim, é a mesma coisa que o atleta. Tanto é que, em partidas decisivas, o torcedor marca presença com santinhos, fazendo o sinal da cruz, orando para Santo Expedito, pagando promessas, e até fazendo cultos especiais com o pastor. Eles entoam hinos para trazer uma benção especial. A torcida do Fluminense canta a música "benção João de Deus", usada todas as vezes que o time está num momento difícil. Isso virou uma rotina. A prática é a mesma que a do atleta, a diferença é que eles não usam Deus para justificar os resultados do time. Se a equipe perde, eles responsabilizarão a equipe.
CI - Pode-se dizer que alguns torcedores transformaram seus times em seu objeto de devoção?
Leme – Em todas as casas católicas, por exemplo, é fácil encontrar um santo. Já alguns torcedores veneram a equipe de futebol, o atleta. Mas esse atleta tem um prazo de validade: ele é venerado enquanto está produzindo. Em muitas casas e bares podemos encontrar quadros de times, o que nos leva a concluir que a religião da pessoa é o futebol, porque ele deposita toda a confiança nisso. Na Argentina há um caso interessante. Foi montada uma igreja chamada Maradoniana, onde prestam culto ao jogador Maradona. A Igreja funciona num bar, o altar tem uma foto do Maradona, e o calendário deles é dividido no ano do nascimento do jogador, A.D. e D.D. (antes e depois de Diego).
CI - Como se materializa essa busca pelo sobrenatural no gramado?
Leme - No gramado é bem explícito, é fácil de perceber. O jogador já entra em campo com o pé direito, pede a benção e faz o sinal da cruz. Se consegue um gol ele aponta a mão para cima. A torcida também recorre aos santos, leva imagens, bandeira de Nossa Senhora Aparecida, ou com a frase “Deus é fiel”. Os atletas andam com faixa às vezes, agradecendo pela vitória. O estádio é rodeado de manifestações. E não é só no momento do jogo, antes de entrar no campo, os atletas costumam orar. Os católicos rezam Pai Nosso e Ave Maria, os evangélicos só o Pai Nosso. O roupeiro do clube, que leva o uniforme para a equipe, traz um santo, para o qual farão uma oração especial. É um ambiente totalmente cercado de elementos religiosos.
CI- Em sua pesquisa, o senhor desvenda a função dos hinos das equipes, a “consagração” dos atletas, e outras simbologias. Explique qual foi a sua constatação.
Leme - Percebi que, quando o atleta entra em campo, a torcida gritar o nome de cada um, e existe uma música para cada um.
Diferente de outros países, o Brasil não tem um herói, ou alguém que desempenhe um papel semelhante. Por isso, o povo brasileiro acaba canalizando essa função para os destaques do esporte. Como o futebol é a maior fonte de alegria da população, o heroísmo é perceptível nesta modalidade. Mas como vivemos no sistema capitalista, tais atletas só são importantes para o clube e a torcida até o momento que estão produzindo, depois são descartados. Apenas alguns conseguem deixar marcas, e são lembrados até hoje. Os descartados, nunca mais terão seu nome cantado pela torcida, ou seja, já foram mandados para o inferno.
CI- Essas e outras demonstrações religiosas são destaque na maioria das transmissões. É correto a mídia dar destaque a essas manifestações?
Leme - A mídia dá destaque ao que o povo vê. Ao destacar o aspecto religioso, como este está ligado à moral e à ética, isso trará destaque. É ótimo para a imprensa associar uma vitória a alguma imagem religiosa, pois ela está preocupada com a audiência que vai ganhar com isso. Não é uma questão de estar errado ou não, é uma questão de vender a notícia. E a maneira mais fácil de vender a notícia é dramatizando. Você dramatiza dizendo que foi “um jogo de vida ou morte”, “entre o céu e o inferno”, ou que “Deus abençoou”. Como se trata da uma questão ética, outra coisa que interfere é o posicionamento de cada veículo. Nas finais de um campeonato brasileiro, a Rede Record, ligada à Igreja Universal, não transmitia a oração dentro do campo. Tirava de foco da oração, e falava sobre outro assunto. Já a Rede Globo fazia questão de mostrar esse momento.
A leitura religiosa na mídia
Detectei em meu estudo que a presença de "notícias do futebol ligadas ao sobrenatural" nos meios de comunicação são mais evidentes em fases finais de campeonatos, onde as equipes podem alcançar o "Céu", ou seja, o título de campeão (ou as melhores classificações); o "Purgatório" das classificações intermediárias, que não rebaixam o clube, mas que também não agradam a torcida; e o "Inferno", representado pela queda de divisão ou pela perda de um título. Percebi também que ações diferenciadas, incomuns, de atores do meio futebolístico, são utilizadas pela mídia como elemento de aproximação face ao universo religioso – nesse caso, certas atitudes se tornam "pecados", certas vitórias "milagres" e certos indivíduos, "santos" (o melhor exemplo é o goleiro do Palmeiras no ano de 1999, quando a equipe conquistou a Copa Libertadores da América: "São" Marcos).
Referente ao imaginário popular e às preces dos atletas, vale ressaltar que o Brasil é um país de crenças diversificadas - participam do mesmo jogo católicos, evangélicos etc. Há uma grande relação com o transcendente, e isto é uma estimulação benévola na visão de muitos participantes do futebol. Todos pedem e agradecem: um ganha, outro perde. Se não houver uma fé ingênua, algo de bom há de ser extraído de qualquer resultado, principalmente da derrota, onde as crises e as buscas por explicações são maiores. O fator "diversidade religiosa" nos campos de futebol é confirmado por dados obtidos na minha pesquisa referentes à afiliação do indivíduo a alguma religião e também a denominação religiosa com que ele mantém vínculo. Sobre a relação com o transcendente ser um estímulo benéfico, mesmo os que acham que não há uma ajuda direta consideram, indiretamente, que ela pode influir positivamente em alguma esfera.
Também não há dúvidas sobre a importância dos pedidos de orações e agradecimentos diante das incertezas dos resultados, pois, quando se aumenta a pressão em favor de se atuar frente às situações de risco, os integrantes de comissão técnica e atletas fazem seus pedidos e, depois do desfecho da situação, seus agradecimentos. Nas derrotas, os indivíduos descarregam seus medos e culpas diante de sua crença, assim como buscam explicações e orientações com os respectivos líderes espirituais, pois o risco é um problema externo e interno no ambiente em que é percebido, e suas conseqüências não podem ser ignoradas, visto que uma coisa condiciona a outra.
O risco existe dentro e fora das "quatro linhas" e, com a existência de tantos riscos, a busca de conforto "divino" se torna uma regra. Por fim, o que determina o resultado de uma partida é a combinação dos fatores: técnico, tático, físico e emocional. Quem estiver melhor vence. A crença ajuda e muito, mas não adianta "crer" e não treinar. Um fator completa o outro, lembrando que é impossível de provar que "um" tenha mais fé que o "outro"; isso é subjetivo.
(Disponível em: http://www.canaldaimprensa.com.br/canalant/87edicao/jogo_aberto1.htm Acesso em 12 de setembro de 2009)
A vitória é dos santos
O futebol foi trazido ao Brasil pelos jesuítas. Essa pode ser uma boa explicação para a enxurrada de santinhos, rezas, promessas, e outros rituais presentes nas partidas de futebol. A torcida canta hinos ao time e intercede pelos jogadores, que decidem no gramado o destino da equipe: céu ou inferno. A diversidade religiosa no futebol é vista por estudiosos como uma válvula de escape à pressão e responsabilidade que pesa sobre atletas e torcedores.
Quem explica o assunto é o professor Clodoaldo Leme, mestre em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC). Leme é graduado em Educação Física e se especializou em Treinamento Esportivo e Fitness. Atualmente é doutorando em Psicologia Social na PUC. Ao final da entrevista, é possível conferir um trecho de seu estudo, "A leitura religiosa do futebol na mídia".
Canal da Imprensa - Como se dá a relação entre religião e esporte, e os itens místicos que fazem parte do inventário esportivo?
Clodoaldo Leme - No Brasil, essa relação começa no final do século 19. Nessa época, alguns padres de colégios jesuítas vão visitar a Europa para buscar algumas atividades para os estudantes, e lá conhecem o futebol. Então eles trazem o esporte para o Brasil, embora não da mesma forma que conhecemos hoje, e começa-se a praticar o futebol dentro do colégio. Tempo depois, a modalidade é levada aos clubes por alguns dos ex-alunos do colégio. Um deles é Charles Miller, que é considerado o “pai do futebol”, mas na verdade, pois ele apenas inseriu o esporte nos clubes. Então é aí que começa a relação entre futebol e religião no Brasil. Mas as manifestações começam a ficar mais evidentes quando aumenta a rivalidade no esporte. Entre 1920 e 1930, as empresas percebem o futebol como um lazer interessante para o atleta-funcionário, e começam a ir a campo com mais freqüência. Quando as competições entre empresas começam a exigir mais responsabilidade dos atletas, eles começam a beijar santinha, fazer o sinal da cruz e agradecer a Deus. Com o tempo, aumentando a rivalidade e as exigências sobre as equipes, as manifestações aumentam mais ainda devido ao crescimento das religiões afro-brasileiras (anos 40-50). Nas décadas de 70 e 80 percebemos um aumento e, inclusive, as manifestações dos Atletas de Cristo, que surgiram em 1978. Perto dos anos 90, com a globalização, é possível perceber todo tipo de manifestação. É importante entender esse processo, pois hoje é possível perceber as várias manifestações religiosas em campo, já que trata-se de um esporte de muita competição, pois além da vitória que é decidida no gramado, existe o fator financeiro.
CI - Como você avalia a forma com que isso afeta o psicológico dos atletas?
Leme - É uma coisa complicada. A maioria dos atletas não tem noção de que, quando buscam uma religião ou divindade para ajudar a enfrentar as pressões, fazem isso de uma forma muito abstrata. Eles também não entendem que são produtos para o mercado capitalista. No trabalho, procura apenas reproduzir o que é feito, mas não questiona a razão porque é cobrado o tempo todo, já que não pode reclamar de nada. Essa falta de perspectiva e cuidado faz com que ele se apegue a uma religião. Isso é complicado para o atleta, pois acaba usando a religião como uma forma de tirar o peso que cai sobre ele. Ou seja, se perde é vontade de Deus, se ganha é vontade de Deus. Assim, jogando toda a responsabilidade para Deus, o atleta não consegue refletir e analisar seu desempenho, o que ele pode melhorar ou modificar. Se o jogador estivesse consciente do que acontece no ambiente do futebol, a interferência da religião seria positiva, mas como ele não reflete, acaba sendo uma banalização, e isso não é válido para a vida do atleta.
CI - Então a responsabilidade e pressão de conseguir bons resultados seria um dos motivos pelos quais os atletas buscam o “divino”?
Leme - Sim, é o principal motivo. Você pode perceber isso quando chegam as finais de campeonatos. Os atletas podem chegar ao céu ou ao inferno, ou seja, serem campeões ou serem rebaixados. As manifestações começam a se intensificar porque não há controle sobre a partida. O ambiente do futebol é de extremo risco. Para chegar ao nível profissional o atleta tem que abrir mão de tudo: estudo, cursos profissionalizantes, família. E quando consegue chegar ao topo os riscos continuam. Ele precisar estar bem tecnicamente, fisicamente e emocionalmente, tem que ser completo. Esses e outros desafios o motivam a procurar uma religiosidade, como forma de encontrar conforto e respostas. Mas não é porque está centrado em Deus que ele vai mudar seu comportamento em campo. Muitos dos Atletas de Cristo, católicos e evangélicos também continuam agressivos, usam Deus para contextualizar o momento de tensão que vive. É nas situações de stress e risco maior que as manifestações de acentuam.
CI - Até onde é saudável essa relação entre religião e esporte?
Leme - Seria saudável se ele não usasse a religião somente na busca pelo conforto, mas se ele refletisse sobre o ambiente que vive. Se for usada apenas para justificar um erro ou uma boa atitude dele, não é válida essa relação. O Kaká, por exemplo, fala de Deus a todo o momento. Já li estudos que apontam que, ou ele é uma pessoa alienada, ou é também é corrompido, pois não se posiciona quanto à todas as acusações judiciais contra a Igreja Renascer. O futebol é um ambiente que não permite qualquer autonomia, pois a qualquer atitude do jogador, ele é julgado pela torcida, pelo técnico e até pela mídia. Caso ele decida se rebelar, está fora. Este é o prejudicial da religião, não permite que eles reflitam sobre o que está acontecendo no ambiente.
CI - E quanto aos torcedores, a fé também potencializa o otimismo deles com o esporte?
Leme - Acredito que sim, é a mesma coisa que o atleta. Tanto é que, em partidas decisivas, o torcedor marca presença com santinhos, fazendo o sinal da cruz, orando para Santo Expedito, pagando promessas, e até fazendo cultos especiais com o pastor. Eles entoam hinos para trazer uma benção especial. A torcida do Fluminense canta a música "benção João de Deus", usada todas as vezes que o time está num momento difícil. Isso virou uma rotina. A prática é a mesma que a do atleta, a diferença é que eles não usam Deus para justificar os resultados do time. Se a equipe perde, eles responsabilizarão a equipe.
CI - Pode-se dizer que alguns torcedores transformaram seus times em seu objeto de devoção?
Leme – Em todas as casas católicas, por exemplo, é fácil encontrar um santo. Já alguns torcedores veneram a equipe de futebol, o atleta. Mas esse atleta tem um prazo de validade: ele é venerado enquanto está produzindo. Em muitas casas e bares podemos encontrar quadros de times, o que nos leva a concluir que a religião da pessoa é o futebol, porque ele deposita toda a confiança nisso. Na Argentina há um caso interessante. Foi montada uma igreja chamada Maradoniana, onde prestam culto ao jogador Maradona. A Igreja funciona num bar, o altar tem uma foto do Maradona, e o calendário deles é dividido no ano do nascimento do jogador, A.D. e D.D. (antes e depois de Diego).
CI - Como se materializa essa busca pelo sobrenatural no gramado?
Leme - No gramado é bem explícito, é fácil de perceber. O jogador já entra em campo com o pé direito, pede a benção e faz o sinal da cruz. Se consegue um gol ele aponta a mão para cima. A torcida também recorre aos santos, leva imagens, bandeira de Nossa Senhora Aparecida, ou com a frase “Deus é fiel”. Os atletas andam com faixa às vezes, agradecendo pela vitória. O estádio é rodeado de manifestações. E não é só no momento do jogo, antes de entrar no campo, os atletas costumam orar. Os católicos rezam Pai Nosso e Ave Maria, os evangélicos só o Pai Nosso. O roupeiro do clube, que leva o uniforme para a equipe, traz um santo, para o qual farão uma oração especial. É um ambiente totalmente cercado de elementos religiosos.
CI- Em sua pesquisa, o senhor desvenda a função dos hinos das equipes, a “consagração” dos atletas, e outras simbologias. Explique qual foi a sua constatação.
Leme - Percebi que, quando o atleta entra em campo, a torcida gritar o nome de cada um, e existe uma música para cada um.
Diferente de outros países, o Brasil não tem um herói, ou alguém que desempenhe um papel semelhante. Por isso, o povo brasileiro acaba canalizando essa função para os destaques do esporte. Como o futebol é a maior fonte de alegria da população, o heroísmo é perceptível nesta modalidade. Mas como vivemos no sistema capitalista, tais atletas só são importantes para o clube e a torcida até o momento que estão produzindo, depois são descartados. Apenas alguns conseguem deixar marcas, e são lembrados até hoje. Os descartados, nunca mais terão seu nome cantado pela torcida, ou seja, já foram mandados para o inferno.
CI- Essas e outras demonstrações religiosas são destaque na maioria das transmissões. É correto a mídia dar destaque a essas manifestações?
Leme - A mídia dá destaque ao que o povo vê. Ao destacar o aspecto religioso, como este está ligado à moral e à ética, isso trará destaque. É ótimo para a imprensa associar uma vitória a alguma imagem religiosa, pois ela está preocupada com a audiência que vai ganhar com isso. Não é uma questão de estar errado ou não, é uma questão de vender a notícia. E a maneira mais fácil de vender a notícia é dramatizando. Você dramatiza dizendo que foi “um jogo de vida ou morte”, “entre o céu e o inferno”, ou que “Deus abençoou”. Como se trata da uma questão ética, outra coisa que interfere é o posicionamento de cada veículo. Nas finais de um campeonato brasileiro, a Rede Record, ligada à Igreja Universal, não transmitia a oração dentro do campo. Tirava de foco da oração, e falava sobre outro assunto. Já a Rede Globo fazia questão de mostrar esse momento.
A leitura religiosa na mídia
Detectei em meu estudo que a presença de "notícias do futebol ligadas ao sobrenatural" nos meios de comunicação são mais evidentes em fases finais de campeonatos, onde as equipes podem alcançar o "Céu", ou seja, o título de campeão (ou as melhores classificações); o "Purgatório" das classificações intermediárias, que não rebaixam o clube, mas que também não agradam a torcida; e o "Inferno", representado pela queda de divisão ou pela perda de um título. Percebi também que ações diferenciadas, incomuns, de atores do meio futebolístico, são utilizadas pela mídia como elemento de aproximação face ao universo religioso – nesse caso, certas atitudes se tornam "pecados", certas vitórias "milagres" e certos indivíduos, "santos" (o melhor exemplo é o goleiro do Palmeiras no ano de 1999, quando a equipe conquistou a Copa Libertadores da América: "São" Marcos).
Referente ao imaginário popular e às preces dos atletas, vale ressaltar que o Brasil é um país de crenças diversificadas - participam do mesmo jogo católicos, evangélicos etc. Há uma grande relação com o transcendente, e isto é uma estimulação benévola na visão de muitos participantes do futebol. Todos pedem e agradecem: um ganha, outro perde. Se não houver uma fé ingênua, algo de bom há de ser extraído de qualquer resultado, principalmente da derrota, onde as crises e as buscas por explicações são maiores. O fator "diversidade religiosa" nos campos de futebol é confirmado por dados obtidos na minha pesquisa referentes à afiliação do indivíduo a alguma religião e também a denominação religiosa com que ele mantém vínculo. Sobre a relação com o transcendente ser um estímulo benéfico, mesmo os que acham que não há uma ajuda direta consideram, indiretamente, que ela pode influir positivamente em alguma esfera.
Também não há dúvidas sobre a importância dos pedidos de orações e agradecimentos diante das incertezas dos resultados, pois, quando se aumenta a pressão em favor de se atuar frente às situações de risco, os integrantes de comissão técnica e atletas fazem seus pedidos e, depois do desfecho da situação, seus agradecimentos. Nas derrotas, os indivíduos descarregam seus medos e culpas diante de sua crença, assim como buscam explicações e orientações com os respectivos líderes espirituais, pois o risco é um problema externo e interno no ambiente em que é percebido, e suas conseqüências não podem ser ignoradas, visto que uma coisa condiciona a outra.
O risco existe dentro e fora das "quatro linhas" e, com a existência de tantos riscos, a busca de conforto "divino" se torna uma regra. Por fim, o que determina o resultado de uma partida é a combinação dos fatores: técnico, tático, físico e emocional. Quem estiver melhor vence. A crença ajuda e muito, mas não adianta "crer" e não treinar. Um fator completa o outro, lembrando que é impossível de provar que "um" tenha mais fé que o "outro"; isso é subjetivo.
(Disponível em: http://www.canaldaimprensa.com.br/canalant/87edicao/jogo_aberto1.htm Acesso em 12 de setembro de 2009)
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